Datas...coisas tão básicas numa história.
Faz amanhã 2 anos que fiz a primeira sessão de quimioterapia. O dia 8 de janeiro é, provavelmente, uma data que me vai acompanhar para sempre, mas para efeitos de contagem de anos pós-cancro, conta outra data, a do fim dos tratamentos-choque, no meu caso coincide como fim da radioterapia a 19 de agosto.
Num dia em que fomos bombardeados com imagens de uma atriz portuguesa a rapar o cabelo, tive de fazer um esforço para me recordar quando tinha rapado o meu. Bendito blog que mo relembrou. 4 de fevereiro quando o meu irmão e a Risy quase me arrancaram o escalpe e expuseram o meu crânio imperfeito. Além de quase careca (havia uns resistentes, tipo kiwi), tinha (e tenho) uns quistos na cabeça que não me permitiam passear a careca à vontade. Ainda era confundida com o Smeagol (o "my precious" do Senhor dos Anéis, conhecem?).
Vi alguns comentários nas notícias acerca desta atriz e do gesto, ora em tons de elogio e de encorajamento, ora de crítica. Também eu fui criticada por escrever este blog e nem por isso o deixei de escrever. Disseram-me que me estava a expôr demais, uma das vezes. Talvez até o tenha feito, mas se calhar precisava de o fazer. A censura devia ter sido abolida com a ditadura, mas sabemos que não é bem assim. Cada um faz com o seu cancro e a sua vida o que quer e bem lhe apetece. Caramba, já nos basta a porcaria do cancro, não?
Se uma figura pública, e nem questiono se tem estatuto para ser assim chamada, pode ser útil para chamar a atenção para esta doença, então que o seja. Que as mulheres olhem para ela e consigam imaginar-se na pele dela. Talvez assim façam os auto-exames de palpação, façam as ecografias de rotina e aprendam a reconhecer os sinais do seu corpo.
A parte do corte do cabelo não me impressiona muito, nem agora, nem antes da minha vez. Mas nós somos todos diferentes. O cabelo e a sua importância são relativos. O que para uns é muito fácil, para outros pode ser um drama. Cabelo é cabelo, mas imaginem-se sem ele. Imaginem verem-se ao espelho de manhã e estarem carecas, de olheiras e amarelos...é isto que a quimioterapia nos faz.
Penso que, no fundo, não é a ausência de cabelo que aflige ou faz chorar. É simplesmente o significado dessa ausência. É ser obrigada a reconhecer que temos cancro sempre que passamos a mão pelos cabelos ausentes. É sentir o frio nas orelhas e na cabeça quando nos deitamos. É sentir que estamos diferentes e somos olhados como diferentes.
Não custa perder o cabelo, custa, isso sim, ter cancro.
O cabelo volta a crescer, seja encaracolado, carapinha, liso ou num nó. Ele volta, porque a vida também volta, porque vencemos o cancro, porque queremos viver.
Bjinho
Vera
Querida Vera, felizmente sem precisar de passar por uma situação tão dramática já aprendi que iremos ser sempre criticados pelas nossas escolhas. Por isso, porque não fazer o que nos faz e sabe melhor? Se um blog incomoda, não o leiam. Se um vídeo é demasiado chocante, não o vejam. Se a realidade afeta, aprendam a viver com a cabeça na areia. Seríamos todos mais felizes se, em vez de criticar os outros aprendessemos a aceitar que somks todos diferentes e cada um toma as opções que quer para si. Sem precisarmos de as entender.
ResponderEliminarQue a força permaneça e as datas sirvam apenas para lembrar algo que já passou e não existe mais.
Beijo!