quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Datas e o Smeagol

Datas...coisas tão básicas numa história.

Faz amanhã 2 anos que fiz a primeira sessão de quimioterapia. O dia 8 de janeiro é, provavelmente, uma data que me vai acompanhar para sempre, mas para efeitos de contagem de anos pós-cancro, conta outra data, a do fim dos tratamentos-choque, no meu caso coincide como fim da radioterapia a 19 de agosto.

Num dia em que fomos bombardeados com imagens de uma atriz portuguesa a rapar o cabelo, tive de fazer um esforço para me recordar quando tinha rapado o meu. Bendito blog que mo relembrou. 4 de fevereiro quando o meu irmão e a Risy quase me arrancaram o escalpe e expuseram o meu crânio imperfeito. Além de quase careca (havia uns resistentes, tipo kiwi), tinha (e tenho) uns quistos na cabeça que não me permitiam passear a careca à vontade. Ainda era confundida com o Smeagol (o "my precious" do Senhor dos Anéis, conhecem?).




Vi alguns comentários nas notícias acerca desta atriz e do gesto, ora em tons de elogio e de encorajamento, ora de crítica. Também eu fui criticada por escrever este blog e nem por isso o deixei de escrever. Disseram-me que me estava a expôr demais, uma das vezes. Talvez até o tenha feito, mas se calhar precisava de o fazer. A censura devia ter sido abolida com a ditadura, mas sabemos que não é bem assim. Cada um faz com o seu cancro e a sua vida o que quer e bem lhe apetece. Caramba, já nos basta a porcaria do cancro, não?

Se uma figura pública, e nem questiono se tem estatuto para ser assim chamada, pode ser útil para chamar a atenção para esta doença, então que o seja. Que as mulheres olhem para ela e consigam imaginar-se na pele dela. Talvez assim façam os auto-exames de palpação, façam as ecografias de rotina e aprendam a reconhecer os sinais do seu corpo.

A parte do corte do cabelo não me impressiona muito, nem agora, nem antes da minha vez. Mas nós somos todos diferentes. O cabelo e a sua importância são relativos. O que para uns é muito fácil, para outros pode ser um drama. Cabelo é cabelo, mas imaginem-se sem ele. Imaginem verem-se ao espelho de manhã e estarem carecas, de olheiras e amarelos...é isto que a quimioterapia nos faz.

Penso que, no fundo, não é a ausência de cabelo que aflige ou faz chorar. É simplesmente o significado dessa ausência. É ser obrigada a reconhecer que temos cancro sempre que passamos a mão pelos cabelos ausentes. É sentir o frio nas orelhas e na cabeça quando nos deitamos. É sentir que estamos diferentes e somos olhados como diferentes.

Não custa perder o cabelo, custa, isso sim, ter cancro.
O cabelo volta a crescer, seja encaracolado, carapinha, liso ou num nó. Ele volta, porque a vida também volta, porque vencemos o cancro, porque queremos viver.

Bjinho
Vera





1 comentário:

  1. Querida Vera, felizmente sem precisar de passar por uma situação tão dramática já aprendi que iremos ser sempre criticados pelas nossas escolhas. Por isso, porque não fazer o que nos faz e sabe melhor? Se um blog incomoda, não o leiam. Se um vídeo é demasiado chocante, não o vejam. Se a realidade afeta, aprendam a viver com a cabeça na areia. Seríamos todos mais felizes se, em vez de criticar os outros aprendessemos a aceitar que somks todos diferentes e cada um toma as opções que quer para si. Sem precisarmos de as entender.

    Que a força permaneça e as datas sirvam apenas para lembrar algo que já passou e não existe mais.

    Beijo!

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