No domingo deparei-me com imensas memórias soltas de pessoas
que fizeram parte do meu passado. Fez, na semana passada, 9 anos que o meu pai
faleceu. A missa de aniversário da sua morte era este domingo, pelas 10h45 na
aldeia dos meus pais. Claro está que não cheguei a horas decentes, mas não foi
só nesta. Acho que só fui à do 1º ano, as outras tenho escapado, quiçá evitado.
Não gosto deste tipo de aniversários, não gosto do que me
lembra, não gosto das falsidades que costumam advir nestes dias. Por isso, há
que preservar a devida distância para manter a minha sanidade mental. Não mais
frequentes são as idas ao cemitério…mas sim, passei por lá este domingo para
deixar umas rosas na campa onde estão os meus avós maternos e pai. Deixámos as
rosas, falei com a Rita sobre eles e ela tentou ler os nomes nas campas. Fez
perguntas simples, mas pertinentes….”se o teu avô se chamava Brandão, porque é
que a tua avó é Almeida…e o teu pai não tem Almeida no nome, porque é que tu
tens e eu não tenho? Com quantos anos morreram? A tua avó era mais velha que o
teu avô?” e por aí em diante…
No seguimento, na tentativa de deixar uma rosa numa outra
campa, corremos o cemitério à procura dessa pessoa. Não a encontrei, mas
estranhamente apercebi-me que muitas pessoas que fizeram parte da minha vida já
ali jazem…acho que mais de metade da minha aldeia está ali. E entre campas,
flores e uma curiosidade inata da Rita, fui-lhe dizendo o que fazia um e outro,
histórias e estórias engraçadas de cada um. As histórias do Tio Zé (marido da
Tia Silvina) e do Tio Fernandes, que na sua linguagem própria, contavam as
fábulas e histórias de La Fontaine e Perrault, provavelmente sem nunca ter
ouvido falar dos seus autores. Eram ótimos contadores de histórias e tinham
ótimas memórias dos tempos idos. Vi os vizinhos dos meus pais, vizinhos dos
meus avós, tios e tias sem laços de sangue, que numa aldeia são partilhados
pelas crianças.
Enquanto falava com a Rita, e o Nuno acelerava para a porta
do cemitério, pensava para comigo o que ia ser da aldeia daqui a uns anitos…os
mais velhos estão a morrer e os novos vão fugindo. Contra mim falo, saí em 1998
para estudar em Aveiro e por aqui fiquei e dificilmente me voltaria a adaptar a
viver lá longe de tudo e de todos os que fui integrando na minha “família” em
Aveiro.
Depois do cancro, aproximei-me mais da aldeia e das coisas
da aldeia. Estamos a plantar um pomar lá e lentamente a tentar cuidar melhor do
que temos por lá. No domingo plantámos mais árvores de fruto. Falta ainda preparar
o terreno para as chuvas, mas o tempo não estica. Vamos fazendo, vamos cuidando,
porque agora tem de ser tudo feito com ponderação, não vá o braço se armar em
esquisito. Aceitam-se voluntários, no entanto. No Verão, já houve por lá uma
alentejana a regar árvores a balde, quiçá na próxima jorna haja mais algum
voluntário para as limpezas do terreno?
Uma coisa é certa. Trabalhar ali cansa o corpo, mas com a
Serra da Freita no plano de fundo, não pensamos naquelas coisas que nos azedam
diariamente. Mens sana in corpore sano.
Foto: ADCRA Viadal |