Estou bem.
Recebi hoje o resultado do teste genético do BRCA 1 e 2, os famosos genes com mutação do cancro de mama. Aguardava este resultado há 2 meses e quando vi o email do IPATIMUP, nem sabia se abria o anexo, ou se devia aguardar pelo Nuno.
Esta dúvida pairou no ar uns milésimos de segundo...abri logo o anexo. Vi um relatório, fiz leitura na diagonal e li algures, sem saber bem onde, que não havia relevância dos marcadores....voltei ao início e num turbilhão de sensações, li o relatório.
O significado deste resultado pode ser interpretado de imensas formas e vai ser importante para determinar o modus operandi e a extensão da cirurgia. No entanto, interessa-me, principalmente, pela parte de hereditariedade. Em caso positivo, havia uma possibilidade de 50% destes genes serem transmitidos à Rita e isso andava a massacrar-me diariamente. Fiquei mais descansada por ela. Realmente, um filho completa-nos e liberta-nos do egoísmo.
Na semana passada não atendi o telefone a muita gente amiga. Peço-vos desculpa, mas há dias, horas, momentos em que não me apetece falar com ninguém. Pode parecer (e se calhar é) egoísmo puro e duro, mas peço que compreendam. São muitas coisas ao mesmo tempo. Não é fácil lidar com um cancro, estar isolada, ter de estar sempre bem para a Rita...mas vamos conseguir levar o barco com sucesso, porque somos muitos a remar no mesmo sentido.
E a união faz a força, certo?
Um cancro de mama diagnosticado aos 33 anos. Não procuro ser mais do que um exemplo de luta, mais uma "Maria" a encarar olhos nos olhos esta doença. Não sou a primeira, gostaria muito de ser a última mulher com esta doença. Infelizmente, não serei. Mas serei mais uma a dar armas às "Marias" que se virem confrontadas com este desencontro da vida.
segunda-feira, 24 de março de 2014
quarta-feira, 19 de março de 2014
Desmaterializar
Por norma, custa-me desligar de certas coisas, e quando digo coisas, são coisas mesmo!
A infância não foi, por certo, das mais abastadas. Viviam-se tempos complicados, família a viver de uma agricultura de susbsistência pouco rentável e com o atraso inerente (e apenas mais tarde aceite) ao facto de viver numa pequena aldeia das serras de Vale de Cambra. Costumo dizer que o alcatrão chegou lá bem depois de mim, já tinha o meu irmão mais novo 6 anos. Frequentei a tele-escola (coisa que mais tarde reparei ser rara em pessoas da minha idade) e madruguei anos seguidos para poder apanhar o único autocarro que nos levava à escola secundária, na então vila de Vale de Cambra.
Talvez por isso me tenha sempre agarrado às coisas que ia conquistando e que nunca me foram oferecidas de bandeja. Ao primeiro carro, comprado com as poupanças do ano de estágio, às primeiras roupas de marca, à primeira casa...enfim, a todos os primeiros que vamos conquistando.
E quando um cancro nos abala, nos faz sentir mais do que meras coisas, aprendemos a viver com o que temos e a desprender-nos do que não precisamos para sermos felizes.
É este o processo que sinto e vivo neste momento. Não preciso do meu traje académico a ocupar espaço no armário, para me lembrar dos tempos em que vestia o 32 e passeava orgulhosamente o mesmo pela cidade. Preciso, sim, de me lembrar como fui feliz com o traje, como nos lembraremos de ser chamadas de pinheirinhos de natal numa noite em Coimbra, como nos ajudávamos a vestir umas às outras para irmos todas charmosas! Preciso das memórias, não preciso do traje.
E tal como o traje, não preciso de guardar as imensas coisas que comprei quando a Rita nasceu, até porque as probabilidades de ter um segundo filho estão, neste momento, quase equiparadas a ganhar o euromilhões.
Ovos, alcofas, carrinho, berço, máquinas para esterilizar, cadeira da papa, parque, marsúpio, espreguiçadeira, etc etc...comprámos tudo o que achava ser o melhor para a Rita. Agora, vendo bem, vejo que se gasta imenso dinheiro com o primeiro filho:)
Só que neste momento, apenas me enche a garagem e um dos quartos da casa da minha sogra. A utilidade destas coisas cá em casa ou na minha sogra é perfeitamente nula.
Sendo assim, criei assim um segundo blog, o http://libertar-a-garagem.blogspot.pt/
Vou postando as coisas à medida que for fotografando. Para os mais incrédulos com esta minha atitude, despreocupem-se. Ainda não estou assim tão desesperada por dinheiro. Só preciso de desmaterializar.
Obrigada por partilharem.
Bjinho
A infância não foi, por certo, das mais abastadas. Viviam-se tempos complicados, família a viver de uma agricultura de susbsistência pouco rentável e com o atraso inerente (e apenas mais tarde aceite) ao facto de viver numa pequena aldeia das serras de Vale de Cambra. Costumo dizer que o alcatrão chegou lá bem depois de mim, já tinha o meu irmão mais novo 6 anos. Frequentei a tele-escola (coisa que mais tarde reparei ser rara em pessoas da minha idade) e madruguei anos seguidos para poder apanhar o único autocarro que nos levava à escola secundária, na então vila de Vale de Cambra.
Talvez por isso me tenha sempre agarrado às coisas que ia conquistando e que nunca me foram oferecidas de bandeja. Ao primeiro carro, comprado com as poupanças do ano de estágio, às primeiras roupas de marca, à primeira casa...enfim, a todos os primeiros que vamos conquistando.
E quando um cancro nos abala, nos faz sentir mais do que meras coisas, aprendemos a viver com o que temos e a desprender-nos do que não precisamos para sermos felizes.
É este o processo que sinto e vivo neste momento. Não preciso do meu traje académico a ocupar espaço no armário, para me lembrar dos tempos em que vestia o 32 e passeava orgulhosamente o mesmo pela cidade. Preciso, sim, de me lembrar como fui feliz com o traje, como nos lembraremos de ser chamadas de pinheirinhos de natal numa noite em Coimbra, como nos ajudávamos a vestir umas às outras para irmos todas charmosas! Preciso das memórias, não preciso do traje.
E tal como o traje, não preciso de guardar as imensas coisas que comprei quando a Rita nasceu, até porque as probabilidades de ter um segundo filho estão, neste momento, quase equiparadas a ganhar o euromilhões.
Ovos, alcofas, carrinho, berço, máquinas para esterilizar, cadeira da papa, parque, marsúpio, espreguiçadeira, etc etc...comprámos tudo o que achava ser o melhor para a Rita. Agora, vendo bem, vejo que se gasta imenso dinheiro com o primeiro filho:)
Só que neste momento, apenas me enche a garagem e um dos quartos da casa da minha sogra. A utilidade destas coisas cá em casa ou na minha sogra é perfeitamente nula.
Sendo assim, criei assim um segundo blog, o http://libertar-a-garagem.blogspot.pt/
Vou postando as coisas à medida que for fotografando. Para os mais incrédulos com esta minha atitude, despreocupem-se. Ainda não estou assim tão desesperada por dinheiro. Só preciso de desmaterializar.
Obrigada por partilharem.
Bjinho
sábado, 15 de março de 2014
Estados de alma
São 8h da manhã, sábado dia 15. Devia estar a
dormir como qualquer pessoa normal, ou como qualquer pessoa anormal que levou
doses de quimioterapia na quinta e sexta-feiras. Devo estar na fronteira entre
o normal e o anormal.
A Rita veio infiltrar-se na cama dos pais às
7h, com aquele jeitinho pouco bruto (‘Mamã, deixa passar!’) e que convence
qualquer um a ceder-lhe o lugar. Mas não posso culpar a criança, eu já estava
acordada. Supostamente, disse o meu oncologista, ia dormir a tarde toda ontem e
hoje ia dormir imenso, nem ia dar pela noite a passar. Errado. Não consegui
dormir ontem de tarde, nem dormi que nem um calhau de noite.
Aparentemente, apanhei uma dose de
anti-histamínicos bastante forte, de modo a evitar fazer alergia ao Docetaxel e
ao Herceptin, as minhas novas drogas. Estava bastante apreensiva. Caso fizesse
alergia, não poderia seguir este plano terapêutico que melhor se adequa e
melhores resultados apresenta para o meu cancro.
Na quinta-feira a enfermeira Maria José estranhou-me assim que entrei na “box”. “Você hoje está muito agitada”, dispara ela assim que me viu. Já lidou com uma imensidão de doentes de cancro, aprendeu a ler-lhes os olhos e a postura física, bem como o estado mental.
Claro que ela tinha razão. Estava ansiosa, com
a perspetiva de mais 12 sessões a agitar-me a alma. É complicado não se ver um
fim, saber que ainda faltam 12 semanas para, espero eu, se poder começar a
pensar na cirurgia. E digo espero, porque se não estiver ainda operável, terá
de se pensar noutra estratégia.
Decidi que não posso pensar na cirurgia
durante esta fase. Claro que o que eu decido, nem sempre acontece, daí também
parte da minha agitação. Sei o que vai acontecer, independentemente da redução
do tumor que se consiga e nessa altura, além das dores físicas, sei que outras
surgirão.
Todos me aconselham a ter calma, a levar um
dia de cada vez. Mas um dia de uma pessoa com cancro é diferente dos outros.
Não me arrelia deixar a louça por lavar, ter a sala desarrumada ou ter um prazo
para cumprir. Arrelia-me, sim, não conseguir levar este barco da melhor maneira
possível, não saber lutar contra uma coisa que nos vai assombrar para o resto
da vida.
Passada a primeira parte desta nova quimio, o
meu querido oncologista pediu-me para fazer uma ecografia ao peito. Como
sempre, tratou de tudo e 1 hora depois da quimio, já estava a entrar na
radiologia. Ele próprio quis falar com o radiologista e ver as imagens. E
quando ele me diz ”Vera, estou bastante contente com a redução. Nunca pensei
que já estivesse assim, mas ainda temos muito a fazer.” Fiquei aliviada,
surpreendida e acima de tudo, mais calma.
Ontem, já antes de entrar para a segunda parte
da quimio, levantei as análises ao sangue, que revelaram que o marcador tumoral
também baixou quase para metade. É um alívio grande, apesar de reconhecer que
ainda tem de baixar muito mais! Mas está a descer e é a isso que tenho de me
agarrar.
Fiz a segunda parte da quimio com menos
agitação, com o oncologista a espreitar a minha “box” muito frequentemente, com
medo da reação alérgica. Até ele estava agitado, preocupado. Costumo dizer que
ele foi um anjo que me apareceu e realmente deve ser. Uma preocupação com os
pacientes que vai além do valor monetário e que nos faz sentir “cuidadas” e não
só mais um doente canceroso a tratar.
Também me sossegou o facto de o meu seguro ter
aprovado parcialmente este novo tratamento. Parece que há seguros que não
aceitam de bom grado mudanças a meio do plano e que não gostam de aprovar
medicamentos tão caros como o Herceptin. Claro que provavelmente vou estoirar o
plafond antes de chegar à cirurgia, mas tenho de me preocupar com uma coisa de
cada vez e, neste momento, tenho de me concentrar em reduzir o bicho,
alimentar-me adequadamente e descansar para o corpo poder recuperar. O sistema
imunitário começou a dar sinais de fraqueza na 4ª sessão da outra quimioterapia
e por isso tenho de me “pôr fina”. Preciso que o corpo aguente todas as sessões
semanais, para não haver interrupções e assim será.
Ao Miguel Morais e Ana Maria da Universidade de
Aveiro, força companheiros de luta.
Em breve, a Dª Manuela (bar da reitoria)
servir-nos-á um belo cházinho para comemorarmos a saída desta fase menos boa!
Obrigado a todos os que me acompanham nesta luta, de uma maneira ou outra contribuem para a minha esfera protetora.
Bem haja a todos. Muita saúde.
quarta-feira, 5 de março de 2014
Atropelamento psicológico
Ontem ao fim do dia senti-me como se tivesse
sido atropelada por um camião, a nível físico
e psicológico.
Fui a mais uma consulta de rotina entre
quimios. Desta vez, em vez de levar mais uma mulher para se deliciar com o
charme e delicadeza do meu médico, consegui o oposto. A Rita encantou o médico,
que nem olhava para mim, a suposta doente J
Enfim, novidades boas é que o bicho continua a
regredir, ainda que o médico ainda o ache inoperável neste momento. Terminamos
o 1º ciclo de quimio, com as 4 sessões de droga “geral”. Agora segue-se o Herceptin (droga recente dirigida a cancro de mama com HER+) e aqui
começou o meu atropelamento!
Por descrença do meu oncologista em relação à primeira biopsia, realizámos uma nova biopsia e as suspeitas do médico confirmaram-se. O meu cancro é mais agressivo do que aquilo que a primeira biópsia revelava, o que não quer dizer que a biópsia estivesse errada, simplesmente podemos não ter apanhado tecido muito “infectado” nessa altura (para as dores que eu tive imagino só se tivéssemos tirado tecido a um nível mais profundo).
Pois, voltando ao Herceptin e ao
atropelamento. Pensava eu, na minha santa inocência, que ia fazer agora 4
sessões de Herceptin e seria operada ainda antes de maio...pensei mal!
Confirma-se que a partir da próxima semana vou fazer sessões semanais de quimioterapia, mas terão de ser prolongadas por 12 (sim, 12) semanas. Ia-me caindo tudo no consultório. Confesso que fiquei mesmo abananada. O meu médico, como sempre muito cauteloso e simpático, explicou-me tudo novamente e ele já o teria dito anteriormente, mas o meu cérebro só processou o “semanal” e “4”. Só me esqueci de dividir as 4 doses por semanas, perfazendo assim as 12 semanas.
Foi uma consulta muito realista, que me
devolveu à realidade do cancro de mama, às hipóteses de cirurgia e estratégias
de profilaxia de reaparecimentos ou surgimento de outros cancros...enfim, que
me desculpem as pessoas a quem não atendi o telefone, mas não me apetecia falar
sobre o assunto! Amanhã devolvo as chamadas todas...
Só à noite consegui voltar a tocar no assunto,
com a minha cunhada que percebe melhor do que ninguém o que está aqui
envolvido. Obrigada por ouvires sempre e por seres mais realista do que euJ
Continuo talvez a sonhar muito, mas há quem diga que
o sonho comanda a vida...
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