A noite anterior foi brindada com amizade e carinho, por parte de pessoas especiais que me acompanharam desde o início do cancro, o fim de tarde tinha sido terminado com mensagens de força e algumas lágrimas na cara da prima (certo, senhora rijona Sónia). Lembro-me vagamente de preparar a mala, de preparar a casa e orientar as coisas cá em casa para a minha ausência. Realmente, as mulheres conseguem ter uma capacidade de se focarem em tretas para não pensarem no que as aflige. Roupas arrumadas, despensa cheia, ordens dadas e pronto, tudo pronto para ir e voltar dentro de uns dias, já sem o senhor bicho e meia empenada.
E assim foi. No dia 17 de junho, preparei a Rita para ir para a escola e aguardei em casa durante a manhã. Almocei sozinha e lá pelas 14h chegou o Nuno e os pais dele para irem comigo para o Hospital. Quiseram também estar presentes, por mim e pelo filho, porque o Nuno ficaria lá sozinho enquanto eu estava na cirurgia, que demoraria entre 1h30 a 2h.
Sentia-me calma, apesar de tudo o que aquela cirurgia poderia significar. Calma e feliz por já estar ali, por já estar em condições de ser operada. A Dra. Teresa deu-me algumas palavras de conforto e os dois beijinhos da médica anestesista sanaram por completo o nervoso miudinho que por ali começava a crescer. Estou pronta, disse-lhes eu. E logo depois reclamei que estava muito frio no bloco...
18 de junho, algumas horas depois da cirurgia. |
Se eu cumpri as ordens? Claro que não! Assim que me colocaram no quarto, aí pelas 2h da manhã, liguei ao Nuno para saber se já tinha chegado a Ílhavo. Estava tudo bem, já em casa e a menina a dormir. Tal como agora, neste preciso momento em que ela dorme aqui ao lado.
Penso que a nossa memória é muito nossa amiga. Vai apagando certos momentos, ou recordações, para que não nos lembremos da dor, da aflição, do medo. Lembro-me de não conseguir levantar o braço e de doer quando tentava, mas já não consigo lembrar-me com exatidão do grau. Lembro-me de me deitar na mesa da radioterapia e ter de suportar o "esticanço" pelo tempo determinado porque não podia haver movimento enquanto fazia a sessão...mas já eliminei a sensação da minha memória. Parece estranho, mas acho que deve ser melhor assim.
Do que me lembro melhor destas "dores" ou sensações foi a retirada dos drenos...que coisa estranha sentirmos tubos a deslizarem por dentro do nosso corpo. O meu comentário parvo quando vi os drenos retirados foi: "isso estava tudo dentro do corpo?"...a enfermeira só se conseguiu rir à gargalhada.
Passou-se 1 ano.
Se sofri? Claro que sim.
Se doeu? Claro que sim.
Se já fiz a reconstrução? Não, ainda não (esta é para quem não tem coragem de perguntar e me olha para o peito com ar de dúvida), nem é recomendado ainda.
Se vou partilhar a informação quando/se fizer? Sim, porque não...nunca escondi nada, nem vejo motivos para o fazer.
Se estou feliz? Estou, porque estou viva, sem sinais de recidiva e com força de vontade para viver por muitos e longos anos.
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