terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Eu e as agulhas!

É preciso ter consciência dos limites do nosso corpo e atuar quando achamos que os atingimos. Durante todo o meu percurso de tratamento oncológico, o meu corpinho lindo foi-se aguentando como podia, uns dias melhor, outros pior, mas sempre (ou quase sempre) a rumar no mesmo sentido que a mente.

Não faço quimio desde junho de 2014, a radioterapia desde agosto do mesmo ano e em março de 2015 terminei a imunoterapia. Neste momento encontro-me "apenas" em hormonoterapia, as lindas injeções na barriga e os comprimidos anti-hormonais. São lindos, controlam o meu organismo para que certas células parvas não se consigam alimentar, mas, ao mesmo tempo, provocam-me umas certas dores nas articulações e nos ossos em geral, aliados a um certo desconforto no braço direito provocado pela remoção dos gânglios da axila. Claro está que raramente me queixo e não deixo transparecer com facilidade esses momentos menos bons.  Há quem os perceba, claro.

Não quero medicação para estes efeitos, prefiro apostar nas tais mudanças tangíveis e em caminhos alternativos. Ontem fui à minha primeira sessão de acupuntura, muito bem recomendada por uma menina designer. Habituada a uma abordagem mais ocidental, foi surpreendente ver que o caminho pode ser diferente, mas o objetivo é o de ajudar o organismo a recompor-se, a limpar o terreno e a caminhar para uma vida mais saudável.

Hoje passei o dia tranquila, sem sentir incómodo no braço,  confiante que na próxima segunda repetirei a sessão. Eu e a minha mãe, para objetivos diferentes, mas num caminho de descoberta da medicina chinesa. Para quem conhece a minha mãe, imaginem-na com agulhas espetadas na cabeça e a barafustar com o Dr. Pedro que eu não como carne, nem laticínios, nem nada que "faz bem".

Não pude reclamar muito, porque pouco tempo depois tinha uma agulha espetada no nariz...mas enfim, tendo em conta a injeção que levo todos os meses na barriga, estas agulhas da acupuntura são minúsculas e realmente não senti dor alguma.


Vou confiar que vai resultar, que me vai atenuar os efeitos da medicação e me vai melhorar o sistema imunitário, porque se não acreditarmos no tratamento, independentemente de qual a sua origem ou orientação, aí de certo não funcionará. Um espírito positivo vale por dois :)

Beijinho a quem me acompanha.

Vera


terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mudanças tangíveis

Há mudanças que todos nós podemos fazer em prol da nossa saúde, especialmente quando a sentimos escapar por entre os dedos. Quando fui diagnosticada, assumi um papel interveniente e ativo na minha recuperação. Levar com estatísticas e probabilidades pouco abonatórias pôs-me a matutar...como ajudar o organismo, o meu corpo a aguentar com tanta agressão (=tratamentos) e ainda ter força para se auto-regenerar?

A alimentação é uma das grandes armas de que todos dispomos. Li muito, pesquisei muito e questionei muito os meus hábitos alimentares atuais e passados (há quem defenda que os primeiros anos da nossa vida são marcantes para a nossa saúde futura). Mesmo antes de consultar a minha querida nutricionista, já havia começado a eliminar algumas coisas da minha dieta.  Os laticínios, as carnes vermelhas, o açúcar branco, os intensificadores de sabor ou adoçantes sintéticos, entre outras pérolas da alimentação moderna.

Fui aplicando estes e outros cortes cá em casa e os nossos palatos vão-se habituando a novos sabores, a novas receitas, a novos métodos e a uma melhor seleção dos produtos que ingerimos.  A carne vermelha deixou de ter lugar, comemos as brancas e, sempre que possível, de origem conhecida. Deixar o conhecido pode ser, por vezes, uma chatice. Parece que só sabemos cozinhar carne e peixe...

No sábado passado, dei mais um avanço no sentido da mudança. Passei o dia num curso de Alimentação e Nutrição Vegetariana. Nesta primeira sessão, foram abordados alguns conceitos de nutrição que já me eram familiares, mas aprendi imenso. Na próxima sessão, mais alguns conceitos teóricos e práticos para quem quer adoptar um estilo de vida mais saudável. No fundo, é uma abordagem holística da alimentação atual que ajuda a compreender muitas das doenças modernas.

De facto, somos o que comemos, como disse o Hipócrates, pai da medicina, há 2500 anos. E estaria ele errado ao afirmar que o "alimento seja o vosso primeiro medicamento?

Bjinho,
Vera



Jantar de ontem: cogumelos Shiitake no wok em bastante azeite, com mistura de legumes (tomate, brócolos, alho francês, cenoura, batata-doce, abóbora, alho e salsa), a acompanhar com feijão vermelho. 

domingo, 22 de novembro de 2015

O meu pai

O dia 22 de novembro significa, para mim e minha família, que passou mais um ano. Faz hoje 8 anos que o meu pai morreu de um acidente parvo, com a sua própria arma de caça que disparou contra ele. Não foi suicídio, foi mesmo um acidente daqueles que toda a gente ouve falar, mas que ninguém quer na sua vida.

Estava a trabalhar quando o meu irmão mais velho me ligou a dizer que o pai tinha tido um acidente. Perguntei se estava no hospital, o que se tinha passado. Mas já estava morto, demorara poucos segundos a morrer. A sensação de parar o tempo, de petrificarmos é estranha, mas senti-a já por dois momentos nesta vida. A súbita morte dele e quando me apercebi que estava mesmo com cancro, no vestiário de um hospital.

Por mais que tentemos andar distraídos, ou a vida nos distraia por ela mesma, é quase impossível deixar esta data em branco. Não fui à missa de aniversário, aliás fui a muito poucas missas dele. Também são raras as idas ao cemitério, mas quando vou, vou porque quero ir e sinto necessidade de ir. Sei que ele não se importaria, porque ele também não era muito de fazer as coisas só para os outros verem.

O meu pai não era uma pessoa fácil, e que isto não leve a mal-interpretações. Ele tinha muitos amigos e sei que das dezenas de pessoas que estiveram no seu funeral, muitas sentiram mesmo a sua morte.
Tinha o seu génio marcado, de pessoa muito pisada pela vida, com muitas tormentas, uma infância complicada. Viveu uma vida relativamente curta (55 anos) marcada pelo trabalho árduo no campo desde criança e isso endureceu-o bastante.

Para mim, ou para os meus irmãos, ele nunca foi um pai afetuoso. Não lhe estava no sangue. Não quer dizer que não gostasse dos filhos, mas daí a demonstrar e a fazer sentir vai um longo caminho que ele nunca soube percorrer.  A vida dura e sem grandes possibilidades não permitia muita coisa, mas admito que comida na mesa não faltava e quando quis ir para a universidade, foi grande o esforço para me ajudar nos primeiros tempos até conseguir a bolsa.  Aquela dureza talvez seja mal da geração, algo que naquela zona era tão comum que nem estranhávamos.

Ficou muita coisa por dizer, mas acho que mesmo se ele fosse vivo, não sei se lho conseguiria dizer. Os meus irmãos costumavam dizer que eu era a preferida, mas acho que não havia preferências. Talvez eu conseguisse certas coisas, tipo poder sair com o carro pouco tempo depois de ter a carta, por ser refilona e teimosa :) Era mais fácil ceder, do que aturar-me :)

Havia uma certa distância, respeito, medo....não sei bem o que era, mas que o afastava da família. No fundo, todos perdemos com essa distância. Perdemos momentos partilhados, afetos, carinho e o tempo, esse não volta atrás.



Hoje em dia é bem mais fácil a uma mãe e a um pai dizer que ama um filho. É saudável que os filhos saibam que são amados, fá-los crescer com mais sentido de pertença e mais enquadrados neste mundo.

Bjinho,
Vera

PS. Que modelito, eh?




segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O meu dia de aniversário

23h20...ainda é oficialmente o meu dia de aniversário. Apenas agora me consegui sentar no sofá, estou mortinha de cansaço e amanhã é dia de trabalho. Hoje tive de pedir um dia de férias, para poder manter a tradição de não ir trabalhar neste dia. É dose nascer oficialmente num dia e oficiosamente noutro. Mas, quem disse que a vida é perfeita?

O meu pai, lá nos anos 80 do século passado (isto dito assim até soa mal...), foi registar esta bela filha já uns tempos depois de nascida...estão a ver no que deu, certo?

Resumindo o meu aniversário, podíamos dizer que:

- Antecipei o dia de aniversário com uma noite na Régua com os primos :) Nós adoramos e queremos repetir...com menos frio por favor.
- Tive um dia muito bom, com o charmoso e a Rita num passeio pela Guarda e o "Forno da Mimi", em Viseu, para um belo almoço.
- Tive uma chegada a casa menos boa, quando descobri que a arca congeladora tinha avariado, quase cheia de legumes preparadinhos para o inverno, peixe, carne, etc...Foi um tal de despachar para salvar o que ainda se podia salvar e fazer muito molhinho de tomate (sim, tinha passado dias a cortar tomate maduro para congelar) e deitar fora o que não dava para usar mesmo...
- Tive uma visita da D. Alda, que, para variar, engendrou um mega-esquema para me preparar um presente fantástico, com a cumplicidade de muitos amigos, família, conhecidos e desconhecidos...não há palavras, devia mesmo ir para a polícia secreta, porque eu não dei por nada...MUITO OBRIGADA por isto, e por tudo. Gostei muito! Vou ler todas agora com calma e acho que sem chorar...
- Tive a vizinhança a irromper-me pela casa adentro com uma espécie de bolo sem açúcar e a cantar-me os parabéns...valha-me que cantam muito bem, porque o bolo estava assim, a modos que, intragável, mas a intenção foi maravilhosa. Obrigada vizinhança-família!
- Tive, aliás, tenho....todas as mensagens que recebi por sms, facebook, email....tudo por ler e por responder. Andei desligada do mundo hoje, faz bem desligar das tecnologias e andar assim, semi-livre pelo interior, onde tudo me pareceu mais calmo, menos stressante e muiiiito mais frio.

Sei que muita gente me quer bem e fico feliz por isso. Espero que algum dia, quando precisarem, eu possa retribuir um pouco deste carinho que tenho recebido.
Bem haja a todos.

Hoje fiz 35 anos. Para o ano, 36 e por aí em diante. Que me acompanhem todos, com saúde, amor e paz.



Beijinho e obrigada a todos.
Vera

PS. Não sou muito de demonstrar afetos, ou aliás de os verbalizar, mas gosto muito de vocês. Espero conseguir demonstrá-los em gestos e aprender a fazê-lo por palavras. Dizem que nunca é tarde para aprender!

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Refeições do dia-a-dia

Ainda acerca da alimentação, costumam perguntar-me o que eu como cá em casa, tendo em conta as minhas "esquisitices". Sendo assim, cá vai. 

Hoje a couve galega é rainha cá em casa. Caldo verde para começar, seguido de batatinha cozida com mais da dita couve e uma espécie de bacalhau com broa desconstruído, como dizem os modernos.

Beijinho

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Comida e bom senso

Há quem diga que é complicado comer à minha beira hoje em dia...especialmente aquelas meninas que comem um pastel de nata a acompanhar o café depois de almoço. Aparentemente, devo lançar olhares reprovadores e as natas caem mal na minha companhia :)

A questão da alimentação tem sido cada vez mais discutida em praça pública e tem gerado muita polémica. Para mim, enquanto pessoa que teve um cancro e faz tratamento para evitar a sua recidiva, é fundamental encarar a alimentação como um dos vetores para a minha vida a longo prazo. 

Ontem assisti ao debate na televisão acerca da questão da alimentação, nomeadamente da carne e enchidos e fiquei algo desiludida com a informação prestada. Tive a sensação de que estavam todos os interlocutores com medo de afrontar a indústria da carne e dos enchidos, uma coisa estranha. A meio da conversa, intervenções desconexas de pessoas que não pareciam entender nada do que diziam...enfim, não será assim que se fomenta uma educação alimentar. Sinceramente, não devia estar assim tão surpreendida. Já vi coisas bem piores, vindas de nutricionistas e aparentemente a sociedade aceita sem interrogar, porque a "dra." disse que era assim. 

Se pesquisarmos, e para isso é preciso saber fazê-lo, encontramos provas, testemunhos, orientações e referências saudáveis para comermos o melhor possível, num mundo em que quase nada é naturalmente produzido. É no equilíbrio que está o ganho.

Vivi toda a minha infância e adolescência numa aldeia nas encostas da Serra da Freita, com os meus pais a praticarem uma agricultura de subsistência, que nos garantia a maior parte da nossa alimentação, uma vez que ali não havia grandes alternativas (nem dinheiro). Sempre comemos muita carne, criada lá em casa, mas sim, não deixa de ser carne vermelha, enchidos, etc... e mesmo assim, não acredito que tenha sido isso, per se,  a provocar-me o cancro. 

Apesar disso, depois de muita pesquisa e conselho da minha nutricionista, cortei a carne vermelha, os laticínios, alguns conservantes e intensificadores de sabor e o açúcar, principalmente o branco. Não é fácil, principalmente num mundo de consumo em que quase tudo leva conservantes, é produzido industrialmente e cujo único fim é o lucro. Gasta-se muito mais dinheiro quando se tenta levar uma alimentação mais natural e mais saudável. A minha esperança é que, num futuro próximo, o preço deste tipo de alimentos vá descendo à medida que a procura aumenta.

Como eu costumo dizer, mais vale gastar dinheiro na alimentação do que na farmácia.

Beijinho
vera


PS. Se algum dia me virem a comer uma coisa doce ou qualquer coisa do género, não se pasmem nem me mandem internar. Não sou santa nem quero viver até aos 110 anos. Basta até aos 100 :)












segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Coisas que acontecem…

Há coisas que acontecem por acaso e que nos fazem pensar no verdadeiro significado do “acaso”, bem como no significado do “olha para o que eu digo, não para o que eu faço”.

Este fim de semana estatelei-me por uma escada abaixo em casa dos meus sogros…podia ter sido feio. Foi só decadente, felizmente.

Chegámos da apanha das castanhas com os pés molhados. Tirei as minhas botas e subi com a Rita buscar a mala ao quarto dela para voltarmos para Aveiro. Como pensava ter as minhas sapatilhas no quarto, subi de meias…ando sempre a dizer à Rita que as meias escorregam nas escadas, que devemos usar as anti-derrapantes ou os chinelos…blá, blá, blá!

Como as escadas são “ligeiramente” inclinadas, quis passar para a frente dela, para o caso de ela escorregar…coisa que qualquer mãe faria. Só não contava era descer os degraus todos com o rabo e aterrar no fundo da escada. Coloquei mal o pé, a meia ajudou a escorregar e qual avião descontrolado fui pela escada abaixo aos saltos, a limpar as escadas com o rabo e a bater com os costados… é triste!

Não sei como explicar, mas ao ter a sensação que ia cair, o primeiro pensamento foi o de proteger o braço direito…larguei a mala e levantei o braço. Que se lixe o rabo, deve ter pensado o meu cérebro, e assim caí com o braço num estilo de saudação nazi.

O braço, de facto, é o elemento a proteger, por causa do esvaziamento axilar. Não escapou de umas pancadinhas na parede, mas acho que o impacto no braço foi bem menor que no rabo e costas.

No fim da queda, amparada pela parede, olhei para cima e a Rita estava às gargalhadas no cimo da escada. Quase indignada, e antes de começar também a rir, pergunto-lhe porque se está a rir, em vez de me perguntar se eu estou bem. Levo com uma resposta à Rita: “oh mama, foi tão divertido…”

É sempre bom animarmos os nossos filhos, até porque vendo bem as coisas, podia ter-me magoado a sério e pôr em causa um ano de cuidado com o braço para evitar o linfedema.


O cuidado, de facto, nunca é pouco e há “acasos” que podem ser evitados. É que sentir os ossos a cada movimento é tramado…


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Dizem que é rosa...

O mês de outubro é rosa...o mês da dita prevenção do cancro da mama, mas sempre que eu vejo um laço rosa apetece-me estrangular o dito cujo. Um cancro não tem nada de rosa, pelo menos nada daquele rosa associado ao mundo das princesas e dos contos de fada. A quimioterapia, a mastectomia, a radioterapia, a imunoterapia e a hormonoterapia (tantas terapias neste corpinho) não são nada rosa...nem rosa claro, nem rosa choque.

Fico meia indignada quando vejo as campanhas relativas à prevenção, porque sei que nem sempre funciona assim na "vida real". Fico furiosa quando me dizem que os médicos de família não passam os exames, não valorizam sinais, não dão a devida atenção às queixas. Felizmente tenho aqui em Ílhavo uma médica de família fantástica, que ao sentir o meu peito duro ao toque na altura teve um pressentimento, porque sem caroço ninguém pensa que pode ser cancro. Mesmo noutras situações, tem sido uma verdadeira médica de família, ao contrário de outros tempos lá em Vale de Cambra.

Azedumes à parte, é tudo muito bonito, toda a gente fala em prevenção e orgulhosamente mostra o laço rosa. Mas e atitude? Ir ao médico, fazer os exames, praticar exercício e tentar levar uma vida mais saudável?

Sei que já influenciei algumas pessoas a estarem mais atentas, a fazerem os exames e a cuidarem melhor de si (até mesmo evitando escapadelas à cozinha antes de ir dormir, não é loirinha?), mas gostava de ver mais. Quero que que se cuidem, que peçam ecografias mamárias (a mamografia é outra coisa), que se informem se sentirem algo de estranho...sintam e conheçam o vosso corpo, porque ele dá sinal se algo estiver errado.

Não quero dar sermões a ninguém. Apenas gostava que sentissem o laço rosa de maneira diferente da minha.

Bjinho,
vera

Ok, admito. Estes laços rosa eu adorei...no casamento da princesa Sisse.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Brincadeiras na cozinha

Desde que o cancro entrou na minha vida que a alimentação se tornou um ritual quase sagrado. Digo quase, porque em nada devemos ser exagerados ou extremistas. Perdemos o balanço se quisermos ser perfeitos demais.

Neste sábado fui ao Mcdonalds com a Rita e as vizinhas...era a ladies'night cá na rua! Tirando a tara pelo brinquedo do Happy Meal, a Rita só consegue comer os douradinhos e as batatas e às vezes a sopa. Não é, de todo, o melhor sítio para comermos. É melhor nem pensar no que ingerimos ali, até porque é raro fazê-lo e assim devia ser para toda a gente.

Cá por casa, tentamos comer o mais "saudável" possível agora, ou pelo menos eu tento fazê-lo e incutir esses valores na Rita. Já para o charmoso, começo a pensar se não será um caso perdido...ehehehe

Este fim de semana fizémos Nutella sem porcarias, como diz a Rita. Está forte, mais forte do que a "tradicional", mas na próxima diminuirei a quantidade de cacau. Depois um bolo vegetariano, sem produtos de origem animal. Não tenho nada contra ovos, nada mesmo, mas apeteceu-me variar um bocadinho. Finalizamos o domingo com uns cogumelos Shiitake que a minha prima me deu e que estavam maravilhosos apenas com azeite e alho na sertã.

Dizia-me uma das minhas companhias preferidas para o café depois de almoço que só nos conseguimos dedicar à cozinha enquanto não temos filhos em idade escolar com trabalhos de casa. Talvez seja assim, mas acima de tudo, acho que é preciso gostar.  Quer eu, quer o charmoso, gostamos de cozinhar, por isso não o vemos como uma obrigação, mais um prazer, uma forma de desanuviar.

Hoje andei "azeda" o dia todo, por isso o jantar foi mais "trabalhoso", quase em homenagem às eleições de ontem. A minha terapia de hoje foi preparar um coelho caseiro com legumes e cogumelos na púcara. O barro no forno dá-lhe um sabor diferente e os legumes cozinhados assim ficam ótimos. Acompanhei com arroz de açafrão e couves da minha horta.

Podia dissertar sobre as vantagens do açafrão, da couve galega, das carnes brancas...MAS não me apetece hoje.



Falei há uns dias acerca da Ana. Ela começou hoje o seu tratamento de quimioterapia e vai ser uma lutadora incansável. Quando somos fortes, não é a idade que determina a nossa capacidade de lutar. É a coragem que mostramos nestes momentos que nos faz acreditar que somos capazes. E tu vais ser capaz. Espero que esta fase menos boa sirva igualmente para unir a família, porque nestes momentos são eles a tua linha da frente na batalha. Um abraço para ti.

Fiquei muito feliz há minutos atrás. Uma simples mensagem de facebook da Rita, uma jovem que também apanhou um susto na vida e que ainda recupera dele. Estamos todos a torcer por ti. Que este teu desencontro com a vida seja apenas isso, um desencontro. Muita força!!

Beijinho
vera

sábado, 26 de setembro de 2015

20 meses

Dizia-me ontem o meu querido dr. Leal da Silva que está feliz por mim. Passaram 20 meses desde o início da quimioterapia e não há sinais de recidiva e eu estou "cada vez mais bonita", palavras dele!

A sinceridade sempre foi ponto assente na nossa relação médico-paciente. Eu tenho, e sempre tive, noção clara das probabilidades de recidiva e das estatísticas de sobrevivência pós cancro inflamatório. Não são fáceis de engolir, mas o sentimento é o de que é para estar do lado bom da coisa.

Como em tudo na vida, podemos ver o copo meio cheio ou meio vazio. E eu tenho visto tanta gente que só vê o vazio, que insiste no vazio e na falta de humanidade.

Ainda ontem falava com uma amiga, que por acaso faz anos hoje, acerca disto. Como deve ser bom ter apenas preocupações mundanas. Valorizem a saúde, os amigos, a família, os colegas de trabalho. Valorizem fazer contas para pagar casa, comida, creche....é sinal que não tem contas de farmácia e hospitais.

À Rita, desejo sinceramente que recuperes bem e depressa. Tens uma família à tua espera e muita gente a torcer por ti.

Sejam simplesmente humanos e vivam um dia de cada vez.

Beijinho e bom fim de semana
Vera

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O pouco tempo que a vida tem.

Não sabemos gerir o nosso tempo cá, no sentido amplo da palavra.

Acordamos todos os dias, trabalhamos horas a fio, tratamos dos filhos, do jantar e em seguida da cozinha. Dormimos e no dia seguinte repete-se o fado.

Tenho sentido esta rotina a acentuar-se, especialmente agora que os dias vão começar a encurtar.

Falta-me tempo para escrever, tempo para os meus amigos e família, tempo para brincar com a Rita, tempo para namorar...e tempo para mim, que também é importante.

Tempo, não voltes para trás, mas dá uma folgazinha de vez em quando para aproveitarmos a estadia por cá.

Bjinho

Vera

Ps: estou em "mau humor" pré-consulta:))

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A Ana

Dizem que devemos retribuir os gestos de carinho e amizade na mesma moeda, contribuindo para um suposto equilíbrio no universo.

Aqui há uns largos meses atrás, penso que em outubro de 2013, a minha amiga Ana Carina soube que eu estava sozinha na Cliria a fazer uma biópsia incisional (ainda me dói só de me lembra e desta consigo lembrar-me bem) e largou marido e filhas para vir ter comigo. Não me deixou conduzir, levou-me à farmácia e depois trouxe-me a casa. Teve essa preocupação e carinho comigo e nunca me esquecerei disso.

Hoje foi a minha vez. Não a ela, mas sim a uma outra Ana. Uma menina de 21 anos a quem o cancro bateu à porta. Coitado…nem sabe com quem se meteu. Bateu à porta, não há nada a fazer a não ser dar-lhe luta. O cancro já lhe tirou “peças” e vai tentar meter-se com o cabelo estiloso dela quando começar a quimioterapia, vai tentar provocar-lhe enjoos e cansaço. Vai tentar pô-la triste e com medo.

Tentar, Ana, ele vai tentar.
Mas eu duvido que consiga arrancar-te o sorriso dessa carinha laroca de uma menina de 21 anos. Duvido que consiga retirar-te o espírito rebelde e refilão próprio da idade. Duvido que te deixes ir abaixo. Duvido que a tua mãe e irmãos te deixem ir abaixo.

É para derrotar o bicho, e nesta luta somos muitos a teu lado.


Bjinho

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Comprometimento com a “coisa”

Aqui há uns dias, antes de ir para o Arrábida, publiquei uma foto do meu processo, o que, com os seus lindos separadores, deu azo a comentários engraçados. Porque não ser organizado no cancro, ou no pós-cancro?

Estou comprometida com ele, numa espécie de relação amor-ódio. É difícil amar as partes do nosso corpo que mutam e viram “bicho”, mas facilmente amamos um corpo que luta com tudo o que tem para não se deixar levar.

Este comprometimento levou-me a ter um portfolio organizado acerca do cancro, metodicamente organizado. Exames, biópsias, relatórios, informação base, etc.

E porquê?

Podem simplesmente pensar que estou doida (uma hipótese bastante forte)…ou talvez simplesmente seja a minha maneira de estar no controlo do processo. Enquanto eu o tiver assim, dominado no portefolio e na mente, estamos em paz.

Hoje, ao vasculhar papéis no escritório procurando a receita da Beksero (nova vacina da meningite) para a Rita, dei de caras com a minha “agenda cancro”. Pensavam que eu me ficava pelo portefolio? 

Havia ainda a agenda, à moda antiga…papelinho. E acreditem que não há semana sem marcações, apontamentos, notinhas…..ah vida triste das pessoas que gostam de controlar a sua própria vida!





Bacioni a tutti,

Vera


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Estou de volta :)

Ontem fui de férias. Hoje já é o 3º dia após o malfadado regresso. Para onde raio foram os 15 dias?

O Nuno não conseguiu ter "férias", portanto foram dias de mãe e filha.
Entre arrumações em casa, visita a familiares e amigos, algumas idas à praia e serra e mais arrumações e lá se foram as férias de agosto. Não é mau, este discurso não é em jeito de queixa. O meu agosto de 2014 foi bem pior, mas o de 2016 será bem melhor.

Smile :)


PS. Faz hoje 1 ano que terminei a radioterapia. Tirou-me forças e queimou-me, mnas aumentou as minhas hipóteses de andar por cá mais uns anitos e vos azucrinar com os meus posts.

O meu obrigado às meninas do Centro Quadrantes no Porto. Não me esqueço de vocês. Um dia destes passo aí, mas só de visita :)

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Leve, mais leve

Os meus check-ups trimestrais estão a tornar-se mais leves, se bem que não ainda ao nível da pena ou do algodão. Ontem recolhi sangue para análises, marcador inclusivé. Hoje voltei lá para o raio-X ao tórax e ecografia abdominal.

Já sei que aparentemente está tudo bem, apesar de oficialmente só ter os relatórios daqui a 3 dias. O Doutor Vieites Branco, o médico da imagiologia que me segue desde o início, já não me chama de “menina da mastite carcinomatosa” (= cancro inflamatório ). Apenas D. Vera agora. Como é bom não ter rótulos J

O facto de agora só ir lá uma vez por mês a consulta de oncologia e limpeza também me fez perder prioridade nas boxes e no atendimento. Faz todo o sentido que assim seja e que seja assim por muiiiiiiiito tempo. Desta vez, penso que pela primeira vez comecei a sentir que já não quero pertencer aquele sítio, se é que alguém quer. Senti-me já uma “estranha”, que se sentou num dos cadeirões ao lado da janela, tirou sangue, limpou catéter e foi embora.

Vi tantas vezes isto acontecer da minha box. Pessoas que entravam, faziam qualquer coisa rápida e iam embora com a mesma pressa que todos temos na vida. E eu estava ali horas a fio agarrada à droga (literalmente), saindo apenas para ir à casa de banho e mesmo assim acompanhada pelo carrinho sexy dos sacos da quimio.

Ontem retraí quando a enfermeira me espetou o cateter. Devemos encher o peito de ar e estar o mais quieto possível para a enfermeira acertar à primeira no “buraco” do cateter. Claro que o movimento fez com que doesse bem mais e pisasse a zona envolta. Não sei porque raio tive aquela reação, mas a enfermeira Maria José, sempre uma querida e sempre atenta, disse-me baixinho que a minha reação era normal quando se chega a esta fase. Estamos fartos de ser picados…e aquela agulha de cateter faz-me lembrar da quimio, o sítio cheira a quimio e vi sacos de quimio a passar à minha frente.
Eu ri-me e disse-lhe que já estou farta de agulhas, ora no peito, ora na barriga. Vão lá espetar outra, se faz favor!

A consulta com o meu oncologista correu às mil maravilhas. Como eu admiro este senhor. Por entre conversa sobre férias, filhos e netos, ele vai metendo umas perguntinhas isoladas e vai aferindo assim sobre o meu estado de saúde, sem me perguntar diretamente se sinto/tenho alguns sintomas de recidiva. Claro está que eu o entendo e agradeço o gesto, se bem que eu os conheço quase de cor e salteados. Acho que puxando bem pela imaginação, até os consigo sentir….mas só na imaginação.


Dores e incómodo é só mesmo nas articulações, inchaços e retenção de líquidos e ainda algum cansaço, mas a hormonoterapia tem destas coisas.  Enquanto for só assim, estamos bem, muito bem.

Aproveitem as férias para descansar, ler e estar com quem vos faz bem.
Bjinho
Vera