sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

‘A Arte da Guerra’


Aqui está um título que não figura na minha estante. Já disse umas quantas vezes que o ia comprar e ler, mas ainda não o fiz. Há livros que compro, quase por impulso, para mais tarde ler, quando chegar a altura certa. Claro que antes do nascimento da Rita, tinha mais “impulsos” destes, mas ainda os vou tendo.

Quando ficou determinado o dia em que ia iniciar quimio, tive um destes impulsos. Ainda era cedo para ir fazer uma surpresa à Rita na piscina e já era tarde para ir ao trabalho. Precisava de comprar uma máquina de fazer sumos toda xpto para a fase que se ia iniciar, daí ter estacionado em frente ao MediaMarkt. Entrei, vi preços das máquinas (decidi instantaneamente ficar pela fraquinha que tenho em casa), comprei 2 livros e saí.

Fiquei sentada no carro quase 1h30. Um dos livros que comprei foi o da Fernanda Serrano. O outro da Clotilde Ferreira, uma mestre de yoga. Fui lendo na diagonal a história da Fernanda Serrano, fui-me identificando, e ali fiquei, estacionada naquele parque tão “encantador”. As pessoas iam passando, olhavam e continuavam nas suas vidas agitadas.

Não sei o que me espanta mais. Se eu a chorar dentro de um carro com 10 anos e a precisar de estofos novos, se aquela gente toda a passar e a evitar olhar para poderem seguir despreocupadamente com as suas vidas. Aliás, acho que me espanta mais o facto de eu estar a chorar dentro de um carro, num estacionamento público e sem qualquer “pudor”. Sim, às vezes também me espanto!

De resto, o choro não me tem acompanhado nesta jornada. Não digo que não chegará o dia em que chore baba e ranho, mas tenho sido poupadinha no gasto de água. Já fui gentilmente “acusada” de causar dilúvios por sítios mais variados como Cantanhede, Inglaterra, Algarves....por aí. Tendo em conta que o nosso governo ainda nos pode taxar mais qualquer coisinha, há que poupar no que temos garantido para já. Sei que estes dilúvios e desidratações acontecem por me terem muito carinho e sinto-me quase honrada por assim o merecer. Espero, ao mesmo tempo, poder arrancar de alguns aqueles sorrisos inocentes e simples que iluminam o coração.

Porque numa luta como esta, há dias menos bons e admitir isto é um passo para ganhar a guerra. Esta semana não foi muito dourada. Com a Rita adoentada por casa, a segunda sessão de quimio foi mais pesada de digerir. O recuperar foi mais lento, as chamadas demoram a ser devolvidas, mas acreditem que não o faço por mal. Para atender e não dar atenção, prefiro mesmo não atender.  Hoje já devolvi algumas e conto amanhã restabelecer contacto com os restantes almas terráqueas e com os 1500 emails por ler. Há uma amiga lá na UA que maldiz todas as tecnologias. Por ela, ainda estávamos na era do pombo correio, e claro com uma costela alentejana!

De resto, vou aliando armas e estratégias diferentes para dar cabo do “bicho”. Tratamento naturopata, alimentação mais direccionada, quimio e hormonas felizes. E que melhor do que vencer uma guerra valendo-me de todas as armas…

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

2nd round


E já se passaram 3 semanas. Amanhã, aliás daqui a umas horas, é injetado no meu “implantofix” o famoso líquido rosa, quase groselha. Penso que nunca mais irei beber groselha ou um “diesel” sem me lembrar da quimio.

Quem dera que não passasse de groselha, mas em nada se deve assemelhar ao sabor doce e intenso dessa bebida. É algo gelado a entrar nas veias, que as pode corroer inclusivamente e que me faz sentir algo “semi-bloqueada” durante aquelas horas.

É como uma paragem no tempo, um desvio do guerreiro para abastecer de armas. Ver  líquido a entrar, gota a gota e imaginar o meu cancro a tentar combater este líquido de aspecto inofensivo e a levar muita porradinha (assim espero).

O cancro ressente-se felizmente, mas o corpo também. Não há que ter vergonha em admitir que há coisas mais agradáveis de se fazer. Os efeitos secundários começam a sentir-se, nomeadamente o mais “cabeludo”, se me permitem o trocadilho. A comichão no couro cabeludo faz prever a queda em breve, pelo que vou mesmo virar um Nenuco.

Há sempre a esperança feminina de escaparmos deste efeito secundário, mas a probabilidade é reduzida e não há razão para eu ser diferente de tantas outras mulheres J. A essência mantém-se, variamos a apresentação. 

Amanhã dou novidades. Vou estar bem o suficiente para isso. 
Obrigado pelo carinho :) Alimenta-nos a alma!

sábado, 25 de janeiro de 2014

Dia bom

Ontem foi um dia bom.
Há já muito tempo não levava a minha filha ao CIAQ. Ela ficou muito contente, quase orgulhosa. E ver a receptividade das colaboradoras do infantário, os sorrisos e a amizade, faz-me ver que foi bom ter dado uma parte de mim e dos meus dias ao CIAQ nestes últimos anos como membro da direção. Damos um bocadinho e vamos buscar muito. Gostava de continuar, porque há muito a fazer, mas não depende só de mim...a ver vamos.

Fomos no carro da tia Sandra, porque ainda me custa forçar o braço. A tia Sandra anima o dia a qualquer pessoa e é mesmo fantástica. Sempre bem disposta! Grande torreca.

Dali, fomos ao Porto, à revisão com o meu querido oncologista. Bem, escusado será dizer que ele conseguiu encantar mais uma pessoa. A genuinidade dele com aquela simpatia inata, aliado à confiança que ele transmite, fez a Sandra adorar o senhor (já tinha tido o mesmo efeito com a minha cunhada...).

A revisão correu bem, saí mais leve. As perspetivas estão a evoluir bem e vamos começar a atacar mais frequentemente o "bicho". A chamada quimioterapia densa. Não lhe queremos dar espaço para respirar. Vai-me custar mais física e emocionalmente, mas é a estratégia que o doutor considera adequada, tendo em conta todo o meu perfil.

E quando um médico nos diz que gosta de me ver assim bem disposta e que estou bonita, que mais vos posso dizer....ele também me encanta!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Cancervixen

Com dores e incómodo da inserção do cateter, ontem só me levantava para o essencial (comer e WC) e mesmo assim, foi um dia WTF.
Sendo assim, comecei (e acabei) um livro que a D. Alda me ofereceu.  É o que vos digo. Há sempre uma altura certa para se oferecer o livro certo! E a D. Alda acertou em cheio.

Eis a apresentação do livro de BD:



"O que acontece quando uma ilustradora citadina, louca por sapatos, obcecada por batom, apreciadora de uma boa pinga, doida por massas, fanática por moda, solteirona prestes a casar-se e com uma vida fabulosa descobre... um caroço no peito? Eis o mote para estas impressionantes, divertidas e tocantes memórias em banda desenhada. De uma forma brilhante e com um sentido de humor excepcional, Marisa Acocella Marchetto conta a história da luta que empreendeu durante onze meses contra o cancro da mama – desde o diagnóstico até à cura, passando por todas as duras fases intermédias.
Mas Cancer Vixen conta-nos muito mais do que como sobreviver a uma doença. É o retrato da vida de uma mulher que não pára um minuto, e de uma maravilhosa história de amor. Marisa, que se descreve como "solteirona convicta", encontra o seu Príncipe Encantado em Silvano, o dono do Da Silvano, um restaurante chique da baixa Nova Iorquina. Três semanas antes do casamento, recebe o diagnóstico. As dúvidas assaltam-na: como reagirá ele à notícia? Como irá o meu mundo mudar? Será que vou sobreviver? E... o que vai acontecer ao meu cabelo?
Desde os atribulados almoços da revista New Yorker até às vedetas sempre presentes no restaurante de Silvano, passando pelos coloridos sapatos de salto alto que Marisa leva para a quimioterapia, Cancer Vixen prima pela originalidade. A força e a coragem de Marisa são uma fonte de inspiração."

Autora: Marisa Acocella Marchetto
Edições Asa
ISBN: 978-989-23-0369-7


Aparentemente o livro vai ser adaptado ao cinema inclusivamente.
Revi-me em muitas cenas, muitos quadradinhos desta BD da vida real. E afinal, há muitos finais felizes, mesmo aos quadradinhos. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Hormonas felizes

Estou neste momento a ouvir Spiegel im Spiegel, de Arvo Pärt. São peças para violino, piano e violoncelo e têm um efeito tranquilizador. Na altura em que estava a ultimar a tese, ouvi este cd repetidas vezes, ora enquanto escrevia, ora somente a desfrutar da música. Foi o Sandro que me deu este CD. Talvez advenha daí a veia pacificadora destas músicas.

O Sandro, para muitos o Prof. Alessandro Gandini, é um amigo muito especial. Já não nos vemos há mais de 1 ano, mas falei com na semana passada e não é que ele quase me punha a chorar ao telefone. Porca miséria, diria ele no seu português marcado pela origem italiana!!

Há pessoas que nos marcam para sempre, pelas pequenas coisas. Por um Cd no momento certo, um livro ou o simples desfrutar da companhia dele, que foi das melhores coisas que me aconteceram durante o período em que trabalhei no Dep. de Química. Cá em casa também se fala frequentemente neste casal maravilhoso, Sandro e Joan Gandini. O Nuno, pelas razões óbvias. O Bolo Inglês que a Joan faz é muito bom mesmo. Foram das primeiras pessoas a visitar-me no hospital quando a Rita nasceu. Enfim....hoje estou lamechas!

E por falar em hospital, hoje é dia de "corte". A próxima sessão de quimio aproxima-se e vamos jogar pelo seguro, inserindo o cateter para poupar as minhas veias. Ontem tive consulta com a cirurgiã que me vai operar depois da quimio. Recebi ordens muito claras. Diz-me a Dra. Teresa que devo fazer coisas que gosto, ouvir boa música, ler, escrever e fazer yoga ou pilates enquanto faço a quimio. Caminhar todos os dias uns 30 mins. Tratar do espírito para depois tratar do corpo.

A minha conclusão é que os cancros não gostam de pessoas bem dispostas. Não gostam de receber hormonas felizes e às gargalhadas :)

Mas o meu vai recebendo a sua dose de parvoíce, de gargalhadas e de amor puro. Um casal amigo que me visita e faz o meu dia parecer normal, mesmo sem termos um Bimby. E claro, a minha filha que insiste em fazer-me rir todos os dias...insiste em dar-me aquele amor puro, sincero e absolutamente lindo.

Muitos conhecem a paranóia dela por hotéis. Aos 3 meses de vida já foi passar uns dias à Serra da Estrela. Ontem, ao despedir-me dela de manhã (o pai agora leva-a à escola todos os dias), ela voltou-se e perguntou se íamos para o hotel no dia seguinte. Mais uma vez, repeti com algum cuidado que não podia ir para o hotel, porque ainda tinha o "dói-dói". Imaginam a cara com que fiquei quando ela respondeu: "Não faz mal mamã. Tu ficas. Eu vou com o papá!"

Pois, riam-se! Há que, de uma maneira geral, conseguir ver o lado positivo em tudo o que nos rodeia. A Rita deixou de depender da mãe para tudo. Vai para a escola com o pai, o tio Nelson vai buscá-la ao fim do dia e dá-lhe o jantar, a tia Sisse (vulgo Sandra) fica com ela a dormir no sofá.

Noutros tempos, a mãe faria tudo e ainda com ela ao colo, a querer empurrar este mundo e o outro! Chegou a altura de reconhecer que só há heroínas nos filmes. Cá fora, precisamos uns dos outros.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Os bons exemplos nunca são demais...

Perto da hora de almoço, estava eu a sair do Centro de Saúde, para mais uma "pica" de fatores de crescimento*, tinha umas quantas chamadas por atender dos meus irmãos (entendem agora porque digo que sou difícil de contactar).  É caso para dizer que uma pessoa já não pode ir furar pneus em paz :)

Motivo da azáfama: uma entrevista de um senhor com cancro na TVI, no Goucha, que demonstrava muito otimismo e força de espírito! Ora pois, não sendo o meu programa de eleição, lá vim eu para casa ver o Goucha. Bendito Meo (publicidade não paga) que me permite recuar nos programas e assistir às gargalhadas da Cristina.

Reconheci imediatamente o Manuel Forjaz, um empreendedor nato, investidor e homem de negócios da "capital". Tinha lido recentemente uma entrevista dele ao Público, em que retratava o seu problema de saúde e modo de vida.

Não foi este o meu primeiro "contacto literário" com o Manuel (permito-me a intimidade). O livro dele, julgo que o primeiro, intitulado "A Bela, Belmiro e Empreendedores" figura na minha estante. O Nuno chegou há uns anos a reunir com ele em Lisboa. É um homem com visão, um business angel que terá ajudado muita gente a crescer no mundo dos negócios e empreendedorismo.

Neste momento, é igualmente um exemplo para muitos, incluindo eu própria. Concordei com quase todas as afirmações dele e vendo a reação das senhoras na plateia do programa, entendo (e quase receio também) chocar algumas pessoas com atitudes e afirmações semelhantes, talvez até com este blog.

Não procuro, deste modo, afirmar que estamos side by side. Ele está bem mais à frente, a nível intelectual, social e etc...mas estamos ambos com cancro, ambos numa luta de igual para igual e a encarar o bicho com a ligeireza possível e necessária. E vê-lo a falar serenamente sobre o cancro, sobre a sua luta de há 5 anos e sobre a sua maneira muito própria de enfrentar a guerra, apenas reforçou esta minha posição.

Há que desmistificar o cancro. Falar abertamente sobre ele, eliminar mitos e tabus. Porque raio as pessoas olham para nós com uma cara estranha quando dizemos que estamos a fazer quimioterapia? Alguém olha para nós de maneira diferente quando dizemos que temos uma infeção num sítio qualquer, uma virose ou uma perna partida?

É uma doença socialmente pesada. Mas outrora terão sido igualmente pesadas a pneumonia, a tuberculose, a gripe...e ninguém olha com comiseração para alguém com gripe! Aliás, afastamo-nos :) 

Dizia ele que é estranho quando nos perguntam se estamos bem. Concordo inteiramente. Apetece responder: "Eu estou bem. O meu cancro também vai indo. E você?". Aliás, agora que recordo, já respondi assim....ouch! Uma amiga de há anos veio cá a casa no dia de Natal e perguntou-me, depois de um abraço forte, se eu estava bem. Eu respondi: "Sim, tirando o cancro". Ela basicamente fulminou-me com os olhos...certo sra. Joana V.?

Responder com um tom jocoso ou semi-irónico...faz parte de mim. Já fazia antes do cancro.  E o cancro não vai mudar a minha personalidade. Pode mudar o aspeto físico do meu corpo, fazer-me sentir que corro a maratona todos os dias e fazer com que as minhas lentes de contacto colem às pálpebras (que figurinha triste que fiz à conta disto)...mas a essência mantém-se. E mantém-se porque há esperança, há tratamento, há vontade e determinação de vencer, no matter what!


De uma maneira, ou outra, vou recebendo um feedback fantástico, histórias pessoais de quem venceu ou ainda luta contra o bicho ou de quem simplesmente acompanha por gostar de mim, por conhecer alguém que me conhece ou por afinidade na instituição onde trabalho.

A Universidade de Aveiro representa para mim a casa onde me formei inicialmente, onde depositei esperanças de um futuro melhor do que o dos meus pais. Representa igualmente a minha progressão para o mercado de trabalho, a instituição onde voltei a estudar anos mais tarde e onde, quiçá, um dia recomece a estudar novamente...porque aprender faz parte do processo de crescimento.

Bem haja a todos pelas mensagens que tenho recebido.

Keep life simple.


* O que raio são os fatores de crescimento?
São um grupo de substâncias, sendo a maior parte delas de natureza protéica que em associação com os hormônios e neurotransmissores, exercem um papel importante na comunicação entre as células. Basicamente visam estimular o meu sistema imunitário...e são injetados num pneu da minha barriga :)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A esfera protetora


Diziam-me há minutos no Facebook que não sabiam de nada do que se estava a passar comigo, porque eu mantive a cara alegre:) 

Sim, é um facto. Continuo a envergar a mesma “máscara” de sempre. Nem podia ser diferente, a meu ver. Um sorriso arranca sorrisos, as trombas arrancam trombas. E eu não gosto disso. Posso estar em farrapos, mas poucos o saberão ver. É intrínseco, genético talvez.

No entanto, neste caso, não posso dizer que tenho disfarçado bem ou algo do género. O bicho não me deitou por terra, nem vai deitar. A essência mantém-se, só está é a fortalecer-se. Vou beber forças a muitos sítios.

O principal, claro, a minha Rita. A ingenuidade e inocência dela são a fonte mais poderosa. Perguntou ontem se já tinha tomado os remédios para o “dói-dói” e eu respondi que sim. E ela, no meio do escovar dos dentes, diz muito espantada que eu ainda tenho cabelo. Deve estar ansiosa para ter um Nenuco grande J

Esta é a parte mais dolorosa do processo. Ter de a fazer passar por isto, numa idade tão tenra. E é por ela, principalmente, que o processo tem de ser levado com a leveza e simplicidade de uma criança. Sem grandes complicações, sem amuos contra a vida, sem resignações inúteis.

Outras fontes alimentam a minha disposição e força…o meu charmoso, como eu carinhosamente o chamo, tem sido um forte aliado. Parceiro, amigo, motorista e amante a full-time. Verbaliza e expressa menos, não fosse ele homem, mas demonstra tudo nas ações. E há que saber ler as entrelinhas. As mensagens são transmitidas em tudo o que fazemos.

Os laços familiares são importantes, assim o tenho visto. Claro que provocar crises de estômago à minha cunhada poderia ser evitado, mas disso não me posso ilibar facilmente. Os irmãos tem estado a full-time. Nestes momentos , os laços biológicos fortalecem-se…nem que seja para dizer parvoíces ou para ir à frutaria comprar beterraba J. Mãe e companheiro, sogros, tios, primos e primas “charmosas”...surgem forças positivas de todos os lados, criando uma esfera protetora, uma fonte inesgotável de força.

Amigos, outra força fantástica. Tenho-me arrepiado às vezes com demonstrações de carinho e amizade. Ehehehee...quase me fazem acreditar que sou uma pessoa boa.  Desde uma maluca que não queria marcar a data do casamento sem saber quando eu ia estar fina para ir. Nem que vá só marcar presença 1 minuto, mas lá estarei. Até porque esse casamento sem mim seria mais pobre J.

Há por aí uma alentejana que se oferece inclusivamente para me passar roupa a ferro, quando provavelmente tem montanhas dela em casa. E para mim, oferecer-se para passar roupa a ferro seria uma prova de loucura. Se eu fizer isso, internem-me.

Um chefe e amigos do trabalho que se preocuparam genuinamente e me apoiaram e apoiam continuamente. Claro que não lhes é fácil lidar diariamente com tanto trabalho, sem o meu charme por perto J

Vizinhos e amigos do peito que, segundo palavras próprias, podem não cozinhar tão bem como aqui o pessoal do 14 (olha aqui a humildade pura), mas que me viriam trazer comida se necessário.

Uma amiga que me liga e sabe que estou sozinha à espera de uma biópsia e larga marido e filhas para me vir fazer companhia de noite, me leva à farmácia e depois me leva a casa. Significou muito para mim.  Faria o mesmo por ela e por muitos.

Pessoas que eu guardo no coração, por mais distante que estejamos, por mais tempo que estejamos sem nos vermos. Não são precisos nomes. Todos sabem quem são e o apoio que dão. Uma simples mensagem no facebook, uma mensagem ou um livro oferecido no natal para os tempos vindouros.

Estamos sempre dispostos a dar, às vezes estamos é receosos de receber. Parece-nos que não merecemos receber, quando receber carinho e apoio nos enche o coração e nos faz olhar para tudo de uma maneira mais completa, mais apoiada.

É assim que se vai criando uma esfera protetora. A união faz a força, certo?

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Como cá cheguei....

Fará amanhã uma semana que iniciei a luta armada.
A primeira sessão de quimioterapia já decorreu há uma semana.

Poderia ter, porventura, iniciado este caminho mais cedo, não fosse uma teimosia inata que me assombra (desde criança, segundo consta). Desde que descobri o nódulo inicial, em outubro de 2013, que persisti em seguir o caminho dito "normal" do processo. Tenho uma médica de família excelente, que me acompanhou devidamente, efectuou os exames e me encaminhou para o sítio que, alegadamente, seria o ideal para tratamento deste tipo de maleitas.

Demorou tempo demais....não a primeira consulta (em 2 semanas tive a primeira consulta). Mas depois foi tudo. Tudo demora tempo demais. São semanas de intervalo para um exame...mais semanas para consulta...mais semanas para respostas. Os serviços estão a abarrotar, sem dúvida. Mas a lógica interna não pode ser a de gestão de stocks "FIFO"...são pessoas muito novas, com metabolismos acelerados, no mesmo saco do que pessoas mais velhas, com metabolismos mais desacelerados. Nestas coisas, custa perceber critérios, custa ouvir certas coisas nos corredores atafulhados de gente. Custa ver tanta gente ali.

Chegada a altura da decisão terapêutica no IPO, chegou também a constatação de um facto. Fui "ligeiramente" persistente e teimosa demais nesta minha convicção de que ali é o sítio ideal para tratarmos um cancro. Estávamos já em dezembro, 26 de dezembro de 2013.

Talvez seja o sítio ideal quando se conhece alguém...quando se é filho de alguém que não agricultores humildes... enfim para mim não foi o sítio ideal. E admito que desde o início fui bem aconselhada a não seguir esta via. Mas, como boa escorpiã, acho que tenho sempre razão.

Com uma filha linda a perguntar diariamente pelo meu "dói-dói", resignei-me e virei "capitalista". O mercado privado de saúde oferece soluções rápidas, eficazes e extremamente carinhosas. Digo isto sem ironia. Encontrei profissionalismo, competência e preocupação no meio deste mercado competitivo. Em poucos dias, iniciei tratamento. Urgente iniciar, foi o recado transmitido.

E faz agora uma semana que iniciei.

Razão de ser do blog...

Para quem me conhece há algum tempo, sabe que, por norma, gosto de acompanhar as tendências da tecnologia e de tentar opinar neste mundo que, por formação, me é alheio. Partilhando a minha vida com alguém que tem cara de engenheiro (como diria uma enfermeira muito querida) e que lida diariamente com as TIC, é-me usual conviver com tecnologia diariamente em casa, almoçar com geeks e tentar acompanhar as suas conversas tão próprias. Até a nossa filha sabe que há momentos em que tem um iphone ou o ipad disponível para ela. Até do meu velhinho macbook ela gosta.

Um blog? Não, nunca senti necessidade de tal coisa. Sou "faladora" por natureza, gosto de conviver cara-a-cara com amigos, colegas, desconhecidos, etc. Os blogs sempre me pareceram máscaras.

Reconheci-lhe a importância recentemente, num desencontro da minha vida. Acabada de fazer 33 anos, é-me diagnosticado cancro de mama. Foi em blogs que encontrei alguma paz de espírito, exemplos de vida reais, de "Marias"de todo o país e estrangeiro, que relatavam os seus casos e me sossegavam com o meu.

Se eu puder sossegar uma "Maria" que seja neste país, já sentirei que o esforço valeu a pena.

Que os desencontros da nossa vida nos sirvam para nos encontrarmos! É esse o propósito deles.