sexta-feira, 25 de abril de 2014

Sentença & liberdade


Estamos a alcançar o patamar “desejado”, se é que se pode falar em desejado quando se fala de cancro. Ontem realizei mais uma ecografia para avaliarmos a regressão do bicho e a potencial necessidade de uma ressonância nesta fase. Para quem nunca fez uma ressonância, imaginem-se dentro de uma betoneira com todo o barulho e sem se poderem mexer. A sensação é essa!

Não faremos, nesta fase, a bendita ressonância, porque felizmente a ecografia foi suficiente para mostrar que os malditos tecidos cancerígenos continuam a perder espessura. É disso que se trata num cancro como o meu, o chamado cancro inflamatório da mama. É raro, mas é dos mais agressivos e fatais, muitas vezes mal diagnosticado e confundido com infeções, mastites, etc. Não cria nódulos, não ocupa um determinado espaço. Simplesmente se apodera do próprio tecido mamário e avança galopante....a besta!

O meu querido oncologista fez questão de estar presente na ecografia. É de uma atenção este senhor, que me faz voltar a acreditar que há anjos por aí. Quer acompanhar-me, quer dar-me segurança e fazer com que eu própria acredite na recuperação. Ontem, enquanto esperávamos pelo radiologista, contou-me acerca do 25 de abril, como ele o viveu na altura. É de uma grandiosidade este senhor, que às vezes quase me esqueço o porquê de o conhecer J

Também é realista e seguro, inerente a muitos anos de experiência no ramo. Quando o radiologista que me diz que não deteta nódulos nem espessamentos muito suspeitos, ele rapidamente interrompe e relembra a mastectomia que se impõe num cancro deste género. "Já aceitei a sentença", disse-lhe eu em tom de brincadeira, mais para o descansar a ele do que a mim.

Sei que muita gente fica algo chocada quando se fala em mastectomia, especialmente as mulheres. Acreditem que não quero chocar ninguém. Falar e desabafar ajuda a despertar consciências e pessoalmente também me ajuda a aceitar.  

Aceito a sentença como medida de profilaxia e escolho viver sem esta ameaça. Porque a vida faz-se de escolhas e hoje o dia até é simbólico. Vai doer, vai custar muito a recuperar e vai afetar-me a nível físico e psicológico para o resto da vida. Mas, acima de tudo, vai aumentar as minhas probabilidades de cá andar mais uns anitos. E podendo escolher, porque não escolher o que é melhor a longo prazo?

Obrigado pelas imensas manifestações de carinho.
Sinto-me acarinhada todos os dias!
Beijinho

terça-feira, 15 de abril de 2014

Novo dia

Desistir é fácil. Muito fácil, tal como a revolta.
Lutar é difícil e nem sempre temos força para isso.  

Minha querida Ana Maria, a nossa linda rececionista e telefonista no edifício da Reitoria, desistir nunca. Este texto é para si. Ganhe força pela sua neta e enfrente isso de peito feito! Eu preciso que você enfrente e vença.

Manter a boa disposição e a força para lutar são atos de luta diária para quem tem cancro. Sei que para muitos até chega a ser estranha a minha forma de encarar o cancro. Dizia-me hoje uma amiga que o marido tinha apreciado a minha força anímica. Será que poderia ser diferente, Paula?

Poderia deixar de brincar com a careca, deixar de comentar em tom  irónico as perdas que  o cancro me provoca?
Poderia deixar de desejar poder ir trabalhar, de ter saudades da reitoria da Universidade de Aveiro e de toda aquela agitação, prazos, etc?
Poderia deixar de querer continuar num projeto cívico de ajuda a uma IPSS ao continuar na direçao da instituição que acolhe a minha filha diariamente?
Poderia deixar de sorrir e deixar o cancro levar-me também isso?

Não, acho mesmo que não poderia ser diferente.
Preciso de rir, preciso de não chorar pelo cancro. Até porque ele já me desidrata o suficiente!
Preciso de olhar em frente e não pensar em probabilidades, estatísticas, impedimentos, porque a vida não é feita do que poderia ser, mas sim do que é no dia a dia.
Preciso de continuar a ser a Vera.

É reconfortante quando me dizem que continuo bonita e cheia de vida…espirituosa! Obrigada a todos pelo carinho. Fico, por vezes, com a lágrima no canto do olho com algumas coisas que me dizem, abraços mais fortes, uma sms no momento certo, ou a última bomba emocional, uma mensagem da educadora da minha filha. Sandra, ia-me pondo a chorar baba e ranho. 
Saber que ela é uma criança estável e feliz, apesar de estar a conviver com isto, é tão reconfortante. E sei que ela está muito bem entregue durante o dia. Vocês são fantásticas e a Rita adora-vos.

Hoje foi dia de quimio. O meu querido oncologista pediu nova ecografia e talvez ressonância. Vamos avaliar a diminuição dos tecidos inflamados a meio deste tratamento. Talvez não se consiga atingir o patamar que ele pretendia, mas ainda faltam 7 sessões de puro prazer.

Hoje já me sinto mais cansada. A toxicidade desta quimio não se acumulou tão rapidamente como a quimio anterior, pelo menos em mim. Cada pessoa reage de maneira diferente. Não há cá comparações possíveis ou tentativas de comparação. Cada um tem o seu limiar de dor e tolerância e cada organismo reage de uma maneira especial J

Lamentavelmente, começo agora a sofrer mais alguns efeitos. As aftas, as gengivas a latejar, as unhas fracas, as articulações a estalar como se eu fosse uma velha de 100 anos e um coração que não aguenta grandes maratonas.

Minor details…diriam uns, uma catástrofe para outros. Para mim, há uns pior do que outros, mas pelo menos esta quimio não ataca o estômago. O facto de não andar sempre enjoada é uma benção. Se bem que continuo a não me sentir bem se subir ao piso da restauração no Arrábida Shopping. Enjoei aquela amálgama de cheiros de comida e creio que nunca mais na vida comerei certas coisas que lá comi com a minha querida amiga Sandra Vasconcelos (vulgo Sisse).

Passa pouco das 21h. Já estou na cama. Pernas pesadas e cansaço geral hoje. Amanhã estarei melhor e depois de amanhã quase perfeita.

Minha querida Ana Maria, amanhã é um novo dia. Lute por ele.

Obrigado a quem me acompanhaJ


Bjinho

sábado, 5 de abril de 2014

Hard week

E, meus amigos, o que se faz quando se faz quimioterapia, envolvendo uma boa dose de anti-histamínicos?

Os mais informados dir-me-iam que eu ia dormir horas seguidas, sestas obrigatórias e moleza constante. Os menos informados perguntar-me-iam a razão de tomar anti-histamínicos junto com a quimio, ou em casos extremos, o que são anti-histamínicos!

Pois bem, estou acordada desde as 5 da manhã, a dar voltas numa cama sobre-lotada (Ritinha, claro).

O regresso das minhas benditas insónia deu-se esta semana. E que semana de burocracias a que o nosso "sistema" me obrigou, especialmente a quem padece de uma doença que prejudica o sistema imunitário e que devia evitar ambientes over-crowded.

Esta semana tive de tudo. Segurança social, centro de saúde, juntas médicas....e tudo porque tenho cancro, fui bolseira na Universidade nos últimos 6 meses e queria ter o direito a ter baixa, porque o dinheiro não cai do céu (pelo menos por estas bandas). Não tem sido um processo fácil, mas graças a uma mão de mais um anjo no meu caminho espero ter ultrapassado esta dificuldade. A ver vamos...

Também passei, pela primeira vez na minha vida, pela experiência de ir a uma junta médica e pagar 50€ só para esse efeito. Acho isto fantástico. Estamos doentes, no meu caso ainda sequer sem baixa, e temos de pagar 50€ para alguém verificar se estamos com cancro.

A minha felicidade resumiu-se ao passar esta prova. Com esforço, lá convenci a junta médica que estou efetivamente doente. Estava quase na fase de arrancar o lenço e mostrar a careca em desespero. Enfim, relatórios médicos, exames de diagnóstico, provas de quimioterapia, mas mesmo assim fazem as pessoas passar por estas coisas, pagar por elas, para no fim nos dizerem que estamos com cancro de mama, e com todas as sequelas que vou ficar, me dão uma incapacidade física de 60% até 2018 para efeitos fiscais e sociais.

Não se pode dizer que fiquei aliviada. Eu até já sabia que tinha cancro e que ia ficar com sequelas, especialmente quando se prevê a mastectomia e remoção de gânglios axilares. Mas ainda bem que esta junta médica mo relembrou. É coisa que eu me esqueço frequentemente!!

Enfim, estou sem dormir, de ressaca de uma semana pesada e de quimio ontem.  Perdoem-me o sarcasmo.

Espero que me continuem a acompanhar, uns a sorrir, outros a chorar, mas acompanhem.
Já ouço pai e filha aos berros lá em cima. Tempo de arrumar o sarcasmo e ironia e mimar um bocado quem me mima diariamente!

Bacioni a tutti