quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Uma princesa doutora

Era uma vez uma princesa nascida nos EUA e que em tenra idade regressou à Torreira, um reino muito próprio e peculiar, onde foi criada e onde se fez mulher. De família humilde e trabalhadora, a vida desta princesa  sempre se pautou pela luta constante, pela dedicação e trabalho árduo, nunca baixando os braços perante as adversidades e mantendo sempre um sorriso na cara para os amigos.

Conheci esta menina-princesa quando entrei na Universidade de Aveiro em 1998. Já lá vão uns anixos, mas cada vez estamos melhor. É como o vinho do Porto.

Foi com imenso prazer que vi esta princesa virar princesa-doutora, uma nova categoria no reino das princesas. Foi um orgulho vê-la a apresentar a sua tese, a responder “quase” descontraídamente  às imensas questões e comentários que o júri lhe colocava e a olhar para nós, a “claque” oficial e a piscar-nos o olho para nos acalmar.

Sabem os mais íntimos o quanto ela teve de abdicar para ter a tese pronta, os dias de noiva nervosa que não teve porque tinha de trabalhar, a reduzida lua-de-mel porque havia trabalho a fazer e compromisso assumido é para se cumprir. Os  dias em que de manhã deu aulas em Aveiro e de tarde em Viana do Castelo, ou vice-versa, percorrendo kms e kms num só dia, para poder vir dormir a casa e voltar a Viana do Castelo no dia seguinte.

Sei eu, a nível pessoal, dos dias em que ela tanto tinha para fazer, mas me acompanhava a consultas e a tratamentos de quimioterapia, sempre alegre, sempre disponível. Todos aqueles dias, em que no meio da azáfama de vida que ela leva, vinha beber um chá ou vinha dar um passeio comigo a pé, para me ajudar a combater solidão que o cancro nos traz por vezes.

Por isso, a minha felicidade de ontem ao vê-la defender a tese foi tanta, porque sei o que lhe custou, sei que teve de abdicar de muito e que mesmo assim, esteve sempre ao meu lado na minha luta. Feliz, alegre, divertida com os seus kits de fim de quimio e de preparação para o regresso ao trabalho e de tantas outras surpresas e mimos.

É desta matéria que são feitas as verdadeiras princesas. A ti, minha querida Sisse, o meu muito obrigado e os meus parabéns, senhora doutora Sisse, porque o essencial é mesmo invisível aos olhos.



Love you
Vera

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Pink & CIAQ

Dizem que o pink é a cor da paixão....pois, o blog tinha o fundo rosa, mas não estou apaixonada pelo cancro. Calhou na altura optar pelo fundo rosa e hoje apeteceu-me mudar o fundo/ cor do blog, para uma coisa mais light. Ficamos assim pelo branco, combina mais comigo nesta altura da minha vida. Estou em território neutro, em modo de stand-by.

Foi também esta a altura em que decidi sair da direção do CIAQ, a instituição que acolhe a minha filha desde os 5 meses, e da qual fazia parte há uns 4 anos. É uma altura da minha vida em que forçosamente me torno mais egoísta e mais protetora da minha paz de espírito e do melhor aproveitamento do tempo livre.


Não interpretem mal este meu comentário, mas as gestões não profissionais das IPSS sofrem na pele todas as restrições, queixas, desabafos e problemas de toda uma comunidade de utentes e colaboradores, numa lógica de pro-bono e de gestão apertada de recursos. Foi assim durante 4 anos, e fi-lo com prazer, não é uma queixa. Uns dias melhor, outros pior, algumas conquistas, algumas desilusões e frustrações.

Tenho a consciência que aprendi imenso e que recebi bem mais do que dei. No fundo, o sentimento é o de que por mais que se trabalhe por uma causa como o CIAQ, nunca "pagamos" verdadeiramente o que se recebe das pessoas que tomam conta dos nossos filhos e que acabam por passar mais tempo do que nós com eles numas idades tão importantes para a formação do caráter.

Bjinho e bem-haja a quem trabalha pelas causas sociais, neste caso o nosso CIAQ.

Vera

PS1- Para variar, já estou na cama...a velhice é um posto!



domingo, 22 de fevereiro de 2015

Nós e as Marias...

Aqui estou e o meu companheiro das noites. 
Não, desenganem-se. O charmoso já dorme. Eu e o meu vinho do Porto, companheiro das noites e dos momentos de instrospeção.

Hoje tivémos um dia cheio de emoções positivas, dia de amizade, de alegria, de brincadeiras e de algum choro e birras à mistura. É o que se obtém quando se juntam meninas de 4 anos na mesma casa para um domingo diferente.

As “Marias” fazem parte da nossa vida desde que a Rita entrou no infantário e temos tentado proporcionar-lhes alguns momentos de confraternização fora do ambiente CIAQ, porque o percurso delas vai eventualmente levá-las a escolas diferentes e eu quero muito que a minha filha saiba cultivar estas amizades e saiba o que é ter amigos a sério. São estes amigos que a vão ajudar e lhe vão dar a mão e apoio quando ela precisar.

É disso que se trata, cultivar as amizades, tratar os nossos amigos com carinho e ter neles uma almofada quando precisarmos.

Pequenos gestos mostram como elas já sabem valorizar a amizade que as une há quase 5 anos. Podem pegar-se, embirrar, chatearem-se e jurar nunca mais se falarem, mas no momento seguinte, tudo entra novamente em sintonia.  Quem dera que os adultos tivessem esta capacidade de perdoar e amar, de esquecer as mágoas e viver a vida com a simplicidade que ela merece.

Temos tanto a aprender com as nossas crianças. 

Beijinho e sejam felizes. Façam por isso.

Vera



PS1- Já passou mais de um mês desde que voltei ao trabalho. Ando mais cansada, chego ao fim de semana estoirada, mas satisfeita por me sentir de novo ativa. Há dias que adormeço mais cedo do que a Rita…mas enfim, estou feliz por estar de volta, muito feliz.


PS2- Agradeço aqui, no blog, às pessoas que me têm tratado sempre com muito carinho na nossa Universidade.  Facilita o meu processo de re-integração e faz-me sentir acarinhada.

PS3- Está a aproximar-se mais um round de exames...preparem-se para o meu mau-humor e ansiedade. Ehehehhhee

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Dia dos amores

Amanhã é dia dos amores, como se diz cá em casa.

Sejam felizes, namorem bastante.
Mas não só amanhã. Amanhã é só um dia comercial, uma maneira de perpetuar uma coisa que nos é intrínseca, uma coisa que todos procuramos e que nos dá sentido à vida. Este cancro mostrou-me que o amor pode ir muito além destes presentes, dos passeios, das festas, da nossa vida rotineira em comum, das frases bonitas.

Vai disso até ao momento em que te amparam a cabeça para vomitares, que te dão banho, que te  ajudam nas coisas mais básicas e íntimas. Vai disso até ao momento em que tens uma pessoa a teu lado a brincar contigo durante a quimioterapia e que não sai do hospital até saber que estás bem, vai disso até tantas coisas mais básicas durante as nossas piores fases.

Por isso, obrigado charmoso. Love you....e à nossa kica.



PS1 - Menos um Herceptin hoje. Estou a ficar craque na imunoterapia.
PS2 - Infelizmente perdi hoje o "carnaval" da minha filha na escola, mas é para poder estar presente em muitos outros carnavais.
PS3 - Há um ano, enfrentava a quimio rosinha. Há um mês que voltei ao trabalho. O tempo passa depressa e que passe bem! Força a quem está na luta.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A entrevista

Eu e a D. Ana estamos lindas na foto. Carinho mútuo.

Quando me pediram para escrever sobre o meu cancro para o jornal da universidade, não hesitei em aceitar.
Só perguntei qual a extensão do texto...não vá dar muito trabalho à edição do texto. Escrever sobre o que se passou, e passa, comigo não me custa. Custa é limitar as palavras.
Vou tomar a liberdade de postar aqui o texto que enviei, com as guidelines assinaladas a negrito.

"Acerca do meu cancro:

O diagnóstico de um cancro mexe com toda a nossa estrutura física, emocional e espiritual. Mexe connosco, com a nossa família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, e por incrível que pareça, até com desconhecidos, porque um lenço ou uma careca ainda assustam muita gente.

Quando me foi diagnosticado cancro de mama inflamatório aos 33 anos, com uma filha de apenas 3 anos, não me restou senão lutar, agarrar-me às melhores probabilidades deste cancro tão raro e agressivo e acreditar no médico que me acompanha. Não deixei de investigar, de ler muito e de tentar acompanhar o que se fazia a nível de investigação neste tipo específico de cancro e de aprender a ajudar na luta “convencional” a nível de alimentação e suplementos nutricionais.

Felizmente tem sido uma luta desigual, porque o cancro está sozinho e eu tive imensa gente comigo na luta. A minha esfera protetora conseguiu proteger-me, ajudar-me a suportar os efeitos secundários da quimioterapia, da mastectomia e da radioterapia. Não me esqueço dos piores momentos do ano de 2014, do medo, do pânico de que a quimioterapia não resultasse, das dores da cirurgia, das queimaduras da radioterapia. No entanto, regressada ao trabalho e vendo em retrospetiva o ano passado, as primeiras recordações são as das surpresas, dos presentes, dos mimos, do companheirismo e da amizade que senti ao longo do ano. Não consigo dizer que venci esta guerra, porque o cancro é matreiro, é uma doença crónica. Fica, acima de tudo, a sensação que esta batalha é ganha no dia-a-dia.

Pré-diagnóstico: Antes da doença aparecer, havia já alguma preocupação, ou com exames de despiste por antecedentes familiares, ou com a  alimentação, ou com exercício físico?
Em relação à minha vida pré-cancro, não considero que tivesse uma vida sedentária, mas a prática regular de exercício era muito recente. Tinha começado a frequentar na altura o ginásio 2 x por semana apenas uns meses antes. A nível de alimentação, não posso dizer que cometesse muitos erros, mas não tinha claramente a consciência alimentar que tenho hoje. No que diz respeito a cuidados médicos, desde o nascimento da filha em 2010 que fazia ecografias de 6 em 6 meses devido à densidade do tecido mamário, mas apenas como prática preventiva, porque não havia antecedentes familiares. Nada na minha vida me fazia sequer pensar em ter um cancro tão agressivo e tão nova.

Diagnóstico: Numa altura em que se prevê que os números de casos de pessoas com cancro aumentem substancialmente, confirma-se que o segredo do sucesso do tratamento passa por um diagnóstico precoce?
É essencial o diagnóstico precoce, sem dúvida. Esse eu tive, mesmo que isso no meu caso não signifique muito, porque quando o cancro de mama inflamatório é diagnosticado, a doente já se encontra pelo menos no estadio III da doença.
No entanto, o sucesso do tratamento passa por outro vetor: o tempo de ação. É igualmente essencial que o tratamento seja iniciado num espaço de dias, depois de diagnosticado e estadiado. Da minha experiência com o nosso sistema público de saúde, depois de semanas a fio à espera, recomendo que sejamos pró-ativos. Se eu não tivesse procurado alternativas, provavelmente não leriam esta história.   

Tratamento: Este processo deixa mazelas muito mais profundas do que aquelas perceptíveis ao olhar, nomeadamente nas mulheres. Como é que se lida com a perda de cabelo e de outras características tão diretamente relacionadas com a condição de mulher?   
Quando se trata de uma questão de vida ou morte e a vontade de sobreviver para ver os filhos crescerem é mais forte, a perda de cabelo ou da mama tornam-se meros efeitos secundários. Eu continuei a ser eu, mesmo depois de perder o cabelo, as sobrancelhas, as pestanas…continuei a brincar com a minha filha, a querer estar com pessoas, a gozar com a minha careca e a emprestar a peruca à minha filha. As cicatrizes e marcas físicas estão cá e lembram-nos dessa luta, mas também nos lembram que estamos vivos. São marcos femininos, mas nestas alturas pesa-se o que é verdadeiramente importante: a vida.
  
Pós- tratamento: Passada a fase dolorosa, chega a altura de voltar à rotina e encarar o mundo, agora talvez com outros olhos. Quais as principais mudanças, visíveis ou não, na vida de quem vence o cancro?  
É difícil avaliar a nossa mudança. Será bem aceite dizer que mudamos para melhor?
Fisicamente a luta deixou as suas marcas, algumas debilidades e cansaço, e, pelo lado positivo, um corte de cabelo novo. Psicologicamente, sinto-me mais calma, com mais ponderação. Sei que a cada decisão que tome, a nível pessoal ou profissional, a experiência do cancro me vai fazer pensar primeiro na vida que eu quero para mim e para a minha família, nas prioridades e na necessidade de viver todos os dias com alegria.

Mensagem: Se alguém soubesse agora que lhe tinha sido diagnosticado cancro e te pedisse um conselho, o que lhe dirias?
 Falar. Libertar. Desmistificar.
Sei que choquei algumas pessoas com o blog que mantenho desde o diagnóstico. Suscitei críticas positivas e negativas, mas o blog cumpriu o seu objetivo: ajudar a tolerar a minha vida com cancro. Não somos todos iguais, mas se falarmos do cancro, ele torna-se menos tabu, deixa de nos assustar tanto. Decidi falar abertamente sobre a minha experiência e fez-me bem. Faz-me bem."

Obrigado UA.
Bjinho

PS1...Antes que me acusem de ser funcionária pública a publicar em hora de serviço, já piquei o ponto :)
PS2...Disponível aqui: http://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?c=41478 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Dia Mundial da Luta contra o Cancro

Amanhã é o Dia Mundial da Luta contra o Cancro.

Este ano o mote é "vencer o cancro está ao nosso alcance".  Era bom se fosse assim tão simples, tão fácil de conseguir. Muito do sucesso no combate ao cancro está na prevenção, na mudança de estilos de vida, na adopção de uma vida mais "zen", menos stressante.

Depois de passarmos por um cancro, acho que todos mudamos nesse sentido. Ficamos mais responsáveis a nível alimentar, mais conscientes dos limites físicos e mais "zens" também, em certo sentido. Já não é qualquer coisa que nos tira do sério, abstraímo-nos mais facilmente do mundano e das "nhoquices" do dia-a-dia. Sentimos mais a vida, porque também a sentimos a fugir das nossas mãos.

Hoje em conversa com uma senhora muito querida, que já o venceu por duas vezes, ela dizia-me que não desejava esta situação nem a amigos, nem a inimigos. Compreendo e concordo totalmente. Com toda a investigação e esforço que se dedica ao combate ao cancro, espero que um dia se consiga curar como uma outra doença qualquer, que se saiba que há aquele "remédio" para aquele problema.

Entretanto, resta-nos a nós, que já conhecemos a realidade do cancro, alertar e tentar despertar consciências. Exames de prevenção e acompanhamento médico adequado não fazem mal a ninguém. Todo o cuidado é pouco. Fico feliz por saber que, ao saber do meu caso, outras mulheres se tornaram mais auto-conscientes e procuraram saber mais acerca do assunto, alterando hábitos de alimentação.

Como eu disse no início do meu blog, há mais de um ano, se eu contribuísse para ajudar uma "Maria", ficaria feliz. Já ajudei muitas, algumas com cancro, e sinto que posso ajudar outras. Mais que não seja, sei ouvir e entender o que estão a sentir.

Estou em falta com a informação sobre o óleo de côco. São só 21h20,mas já estou na cama. A minha "beleza física" hoje sente-se particularmente cansada. Devem ter sido os flashes da sessão fotográfica de hoje. Amanhã há novidades. Gente boa na nossa universidade!

Beijinhos e força para quem está na luta.