quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A entrevista

Eu e a D. Ana estamos lindas na foto. Carinho mútuo.

Quando me pediram para escrever sobre o meu cancro para o jornal da universidade, não hesitei em aceitar.
Só perguntei qual a extensão do texto...não vá dar muito trabalho à edição do texto. Escrever sobre o que se passou, e passa, comigo não me custa. Custa é limitar as palavras.
Vou tomar a liberdade de postar aqui o texto que enviei, com as guidelines assinaladas a negrito.

"Acerca do meu cancro:

O diagnóstico de um cancro mexe com toda a nossa estrutura física, emocional e espiritual. Mexe connosco, com a nossa família, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, e por incrível que pareça, até com desconhecidos, porque um lenço ou uma careca ainda assustam muita gente.

Quando me foi diagnosticado cancro de mama inflamatório aos 33 anos, com uma filha de apenas 3 anos, não me restou senão lutar, agarrar-me às melhores probabilidades deste cancro tão raro e agressivo e acreditar no médico que me acompanha. Não deixei de investigar, de ler muito e de tentar acompanhar o que se fazia a nível de investigação neste tipo específico de cancro e de aprender a ajudar na luta “convencional” a nível de alimentação e suplementos nutricionais.

Felizmente tem sido uma luta desigual, porque o cancro está sozinho e eu tive imensa gente comigo na luta. A minha esfera protetora conseguiu proteger-me, ajudar-me a suportar os efeitos secundários da quimioterapia, da mastectomia e da radioterapia. Não me esqueço dos piores momentos do ano de 2014, do medo, do pânico de que a quimioterapia não resultasse, das dores da cirurgia, das queimaduras da radioterapia. No entanto, regressada ao trabalho e vendo em retrospetiva o ano passado, as primeiras recordações são as das surpresas, dos presentes, dos mimos, do companheirismo e da amizade que senti ao longo do ano. Não consigo dizer que venci esta guerra, porque o cancro é matreiro, é uma doença crónica. Fica, acima de tudo, a sensação que esta batalha é ganha no dia-a-dia.

Pré-diagnóstico: Antes da doença aparecer, havia já alguma preocupação, ou com exames de despiste por antecedentes familiares, ou com a  alimentação, ou com exercício físico?
Em relação à minha vida pré-cancro, não considero que tivesse uma vida sedentária, mas a prática regular de exercício era muito recente. Tinha começado a frequentar na altura o ginásio 2 x por semana apenas uns meses antes. A nível de alimentação, não posso dizer que cometesse muitos erros, mas não tinha claramente a consciência alimentar que tenho hoje. No que diz respeito a cuidados médicos, desde o nascimento da filha em 2010 que fazia ecografias de 6 em 6 meses devido à densidade do tecido mamário, mas apenas como prática preventiva, porque não havia antecedentes familiares. Nada na minha vida me fazia sequer pensar em ter um cancro tão agressivo e tão nova.

Diagnóstico: Numa altura em que se prevê que os números de casos de pessoas com cancro aumentem substancialmente, confirma-se que o segredo do sucesso do tratamento passa por um diagnóstico precoce?
É essencial o diagnóstico precoce, sem dúvida. Esse eu tive, mesmo que isso no meu caso não signifique muito, porque quando o cancro de mama inflamatório é diagnosticado, a doente já se encontra pelo menos no estadio III da doença.
No entanto, o sucesso do tratamento passa por outro vetor: o tempo de ação. É igualmente essencial que o tratamento seja iniciado num espaço de dias, depois de diagnosticado e estadiado. Da minha experiência com o nosso sistema público de saúde, depois de semanas a fio à espera, recomendo que sejamos pró-ativos. Se eu não tivesse procurado alternativas, provavelmente não leriam esta história.   

Tratamento: Este processo deixa mazelas muito mais profundas do que aquelas perceptíveis ao olhar, nomeadamente nas mulheres. Como é que se lida com a perda de cabelo e de outras características tão diretamente relacionadas com a condição de mulher?   
Quando se trata de uma questão de vida ou morte e a vontade de sobreviver para ver os filhos crescerem é mais forte, a perda de cabelo ou da mama tornam-se meros efeitos secundários. Eu continuei a ser eu, mesmo depois de perder o cabelo, as sobrancelhas, as pestanas…continuei a brincar com a minha filha, a querer estar com pessoas, a gozar com a minha careca e a emprestar a peruca à minha filha. As cicatrizes e marcas físicas estão cá e lembram-nos dessa luta, mas também nos lembram que estamos vivos. São marcos femininos, mas nestas alturas pesa-se o que é verdadeiramente importante: a vida.
  
Pós- tratamento: Passada a fase dolorosa, chega a altura de voltar à rotina e encarar o mundo, agora talvez com outros olhos. Quais as principais mudanças, visíveis ou não, na vida de quem vence o cancro?  
É difícil avaliar a nossa mudança. Será bem aceite dizer que mudamos para melhor?
Fisicamente a luta deixou as suas marcas, algumas debilidades e cansaço, e, pelo lado positivo, um corte de cabelo novo. Psicologicamente, sinto-me mais calma, com mais ponderação. Sei que a cada decisão que tome, a nível pessoal ou profissional, a experiência do cancro me vai fazer pensar primeiro na vida que eu quero para mim e para a minha família, nas prioridades e na necessidade de viver todos os dias com alegria.

Mensagem: Se alguém soubesse agora que lhe tinha sido diagnosticado cancro e te pedisse um conselho, o que lhe dirias?
 Falar. Libertar. Desmistificar.
Sei que choquei algumas pessoas com o blog que mantenho desde o diagnóstico. Suscitei críticas positivas e negativas, mas o blog cumpriu o seu objetivo: ajudar a tolerar a minha vida com cancro. Não somos todos iguais, mas se falarmos do cancro, ele torna-se menos tabu, deixa de nos assustar tanto. Decidi falar abertamente sobre a minha experiência e fez-me bem. Faz-me bem."

Obrigado UA.
Bjinho

PS1...Antes que me acusem de ser funcionária pública a publicar em hora de serviço, já piquei o ponto :)
PS2...Disponível aqui: http://uaonline.ua.pt/pub/detail.asp?c=41478 

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