quarta-feira, 29 de abril de 2015

A kica :)

Lembro-me, há um ano atrás, de estar muito preocupada nesta mesma semana. Tinha feito quimioterapia numa segunda e a minha filha fazia 4 anos na quinta-feira dessa semana. Não queria que ela ficasse com o seu 4º ano por festejar, só porque a mãe estava meia inválida.

Descansei bastante nesses dois dias e só esperava que a indisposição não chegasse a 5ª feira, para poder estar bem na festa da minha “kica”. Para quem nos conhece, sabe que ela é o nosso maior orgulho e, muitas vezes, é mimada com algum exagero à mistura. 

Queríamos os nossos amigos e família e os amigos dela presentes na festa, como hábito nos aniversários anteriores. Quando dei por mim, a minha casa tinha sido invadida por mais de 50 pessoas, havia “gente” por todo o lado. As crianças divertiram-se, os adultos também e, acima de tudo, quase me esqueci do cancro nesse dia. Digo quase, porque estava ainda meia “descabelada” e a ressacar da quimio. Mas acho que ninguém notou!

Ainda hoje falei desse dia à minha querida Ana Maria, porque é nessas alturas que vemos como existem pessoas boas. Alguém veio mais cedo dar banho à rita, alguém colocou as mesas, outros arrumaram a casa no fim da festa. Uns trouxeram bolos, outros salgados, outros qualquer coisa para comer, ou simplesmente mão de obra para o que fosse preciso. Num dia que podia ter sido marcado pela doença, a minha filha presenciou o que de melhor temos para dar uns aos outros: um bocadinho do nosso tempo e do nosso carinho e amizade.

Depois de ter estado esta terça-feira com o meu querido oncologista, acho que este 5º aniversário da Rita será mais light, pelo menos para mim. Já tenho cabelo, sem cancro e com força e alegria suficientes para organizar tudo. O meu bom aspeto mantém-se e os exames têm comprovado que deverá estar tudo ok lá “dentro”. O plano agora é vigiar e continuar com a hormonoterapia. Preciso de limpar o cateter todos os meses, trocar dois dedos de prosa com o Dr. Leal e depois regresso a Aveiro com um sorriso nas trombas. A simpatia do meu oncologista e de toda a equipa faz-me voltar agora com um prazer renovado. 

Não sou ingénua ao ponto de pensar que estou “livre”.  Vivo o dia-a-dia e espero e peço um futuro sem doença. Viver a vida, passear e ver a minha filha crescer. Talvez deva já começar a organizar a festa da formatura….:)


Bjinho e sejam felizes.

PS. Sai bolinho, vizinha Lígia! Prepara-te para sexta.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Acabadinha de chegar

Acabadinha de chegar do Porto, dos únicos exames de rotina "externos" que o meu oncologista me deixou fazer nesta revisão.  Estou cansada, mas tranquila agora, pelo menos por mais 3 meses :)

Estava agora a dizer à minha prima que até consigo suar antes de entrar para os exames, esteja frio ou calor no vestiário. O médico radiologista já me acompanha desde o início do processo e isso dá-me algum descanso e paz de espírito.  Torna-se, por vezes, cansativo ter de explicar o que se passou.

Muitas vezes,  ao entrar nos consultórios ou outros meios, o diálogo é do género:

- O que lhe aconteceu menina? Tão novinha e já passou por isso.
- Sim, teve de ser. 
-Não se preocupe, há por aí bem mais novos. 
(Como se eu ficasse feliz com a miséria alheia)

ou
- Tem antecedentes na família?
- Não.
- Ah, que estranho, tão novinha.
(Hereditariedade e idade confundem as ideias a muita gente)

ou
- Tão nova para ter um cancro. Já tinha filhos?
- Sim, tenho uma filha.
- Pois, e fica por aí. Vai ser filha única.
(Como se eu infelizmente já não o soubesse)

ou
- Tratou-se por completo no hospital privado?
- Sim, tive de o fazer.
- Ah, tanto dinheiro que gastou. 
(Foram-se os anéis, ficaram os dedos e EU, claro)

ou
- Quem a operou?
- A dra. Teresa.
- Pois, olhe, está uma cicatriz muito bonita e perfeitinha.
(Frankenstein, devias seguir os meus posts e optar pela minha cirurgiã).


Podem rir-se.
Eu própria me rio dos diálogos parvos, das estapafúrdios que ouço muitas vezes.  Chega a uma altura em que eu deixo de tentar explicar, faço que não ouço ou ignoro aquelas coisas que nunca se devia dizer a pessoas que sofrem ou sofreram de cancro.

Só há uma coisa que eu não paro de tentar passar: a mensagem da prevenção. Cuidem-se minhas senhoras e meus senhores, também.

No lump, still cancer :)

Bjinho e muita saúde para todos.
Vera




segunda-feira, 20 de abril de 2015

Inevitabilidade

É inegável que a palavra "cancro" assusta muita gente. Vê-se nos rostos das pessoas, na maneira como falam dele e nos tratam, a nós, os "afetados" por ele. O rótulo deve ficar connosco para sempre, e que esse sempre seja muito tempo :)

Hoje, um pouco por todo o país, foi dia de prestar homenagem a uma pessoa que muito fez pela ciência em Portugal, falecida na sexta-feira passada. Desta vez, não omitiram a palavra, pelo menos que li acerca do assunto. De facto, o prof. Mariano Gago não sofria de "doença prolongada", disseram mesmo cancro. Estranho como se mascaram as coisas para parecerem mais leves, menos susceptíveis de ferir os ouvidos mais sensíveis. 

Foi um gesto simpático por parte das universidades e centros de investigação por todo o país. Enquanto aguardávamos pela hora marcada para a homenagem, em suposto silêncio, dei por mim a pensar enquanto estava a olhar para aquela gente toda ali reunida por uma pessoa que morreu. O cancro assusta toda a gente, agitando as consciências, nem que seja apenas por um bocadinho até uma coisa trivial nos fazer esquecer do "bicho".

Tirando isso, cabe a todos nós agir para evitar o dito cujo. Quantas mulheres dali fazem os exames à mama regularmente, quantos acima dos 50 anos fazem colonscopias, quantos fumam cigarros atrás de cigarros? Mesmo que apenas reduzamos a probabilidade de contrair cancro em 1%, é menos esse o risco que corremos.  Ganhamos em saúde e em anos de vida se nos auto-controlarmos e soubermos entender o nosso corpo e os sinais que ele nos dá. 

Sente-se o cancro como uma inevitabilidade, quase como um abutre a pairar as cabeças e a decidir onde vai cair. Não tem de ser assim e era nisso que eu matutava enquanto a minha companhia me dizia que eu estava a apanhar muito sol :) 

Adoro o sol e preciso de vit. D. 
Todos precisamos.
Bjinho
Vera


domingo, 12 de abril de 2015

Um brinde

Um brinde a todos os que se cruzaram comigo hoje e aos que gostam de mim :)


Cá estou eu na minha rotina de domingo à noite: vinho, livros e programas da treta na televisão.

Preciso deste tempo para mim, para me preparar para a semana. Depois de quase uma hora a arrumar a sala (brinquedos, livros, roupa, canetas, folhas e livros espalhados), eis que me sento, cansada mas feliz.

Foi um dia divertido. De manhã, um passeio ao jardim Oudinot, onde a Rita andou de bicicleta e jogámos futebol. É um sítio fantástico, aqui tão perto. Seguiu-se um agradável almoço. Somos sempre surpreendidos por coincidências da vida e eis que um casal muito simpático chega ao mesmo tempo que nós ao nosso destino e nos faz companhia no almoço. Adorei a vossa companhia e simpatia. Obrigado.

O espetáculo foi o ponto alto do dia, pelo menos para as meninas. Bem, a Rita acordou pouco depois das 7h da matina a perguntar quanto tempo faltava. Quis ir vestida de fada, com direito a asas e maquilhagem e assim foi. A vida é feita destes pequenos prazeres e ela ia orgulhosamente preparada para o espetáculo. Quando eu lhe disse que talvez as outras meninas fossem vestidas normalmente, ela nem fez caso. Grande miúda!

Acontece-me frequentemente estes dias/ momentos de felicidade serem, no meu cérebro, interrompidos por pensamentos parvos. Há um ano atrás, estava ko fisica e psicologicamente com medo, lembrei-me eu a meio do espetáculo, quando uma das winxs canta uma música sobre a mãe e as saudades que tinha dela. Ora, pois, lá veio o sr. bicho à baila, que é como quem diz, ao pensamento.

Renascer depois de um cancro, aprender a viver com a sombra dele e aprender a confiar na vida novamente. Parece muito fácil, depois de tudo o que passamos. Mas não é assim muito fácil, pelo menos na minha mera opinião. Olhamos para o lado e vemos pessoas alegres, talvez inocentes  e confiantes demais nas suas vidas, e olho para mim que me vi forçada a perder essa certeza da vida.

Enfim, dizem que o tempo cura tudo e que haja tempo para isso e para muito mais.

Beijinho
vera

PS1. Estou oficialmente apenas em hormonoterapia: uma mera injeção mensal e comprimidos diários...PEANUTS...YUPPI!

PS2. Os marcadores tutorais mantêm-se estáveis e vou apenas fazer um check-up básico no final de abril. Sem sintomas, não se castiga o corpo com exames (se bem que eu acho que faria exames de mês a mês se me deixassem).


terça-feira, 7 de abril de 2015

Dar a conhecer

Hoje prometi à Terry Lynn Arnold que voltaria a reforçar a ideia de que "no lump, still cancer", em honra de mais uma mulher que morreu vítima do cancro inflamatório da mama (CIM). Temos de espalhar a palavra, para evitar atrasos no diagnóstico ou no tratamento por desconhecimento das características e progressão do CIM.

Uma mulher de 37 anos que deixou os filhos pequenos e o marido. Apesar disso, transmitiu sempre nos seus posts e fotografias um ar calmo e pacífico, um ar de aceitação que ainda faz parecer mais injusta a injustiça.

Em português existe pouca coisa acerca deste tipo de cancro, até porque é "supostamente" muito raro.
Em inglês existe mais informação. O MD Anderson Center disponibiliza imensa informação muito bem e ilustra o efeito do CIM. Se preferem informação apresentada de um modo mais científico, ou seja ler um paper,  podem encontrar aqui um que resume alguma da informação mais atual.

Não é uma coisa agradável de se dar a conhecer, mas é necessário. Se eu estivesse melhor informada na altura do meu cancro, nunca teria sido tão "paciente" com o hospital público que me estava a seguir.  É importante reconhecer os sintomas, conhecer os nossos direitos e os tempos de atuação recomendados. Agir para evitar outros males maiores.

Às vezes dou por mim a pensar em formas de transmitir melhor esta informação, ou outra relativa ao cancro de mama, em geral. São meandros engenhosos,  alguns de difícil compreensão, difíceis de entender. Aceitam-se sugestões.

Beijinho e pensem como somos afortunados por tanta coisa que tomamos como garantidas.

vera