segunda-feira, 23 de março de 2015

M.

Hoje é um dia triste na reitoria da Universidade de Aveiro.

M.,

Não tive o prazer de privar contigo. Vi-te algumas vezes pelos corredores da reitoria, sempre simpático e com um ar feliz. Mas nunca conversámos a sério, não tivemos tempo.

Apenas falamos uma vez, uma única vez. Lembro-me como se fosse hoje. Estavas com os teus pais no café do Retail Park e eu entrei com a minha filha. Conhecíamo-nos apenas de vista, mas já sabíamos que partilhávamos a besta do cancro. Apresentaste-me os teus pais e conheceste a minha filha.

Demos um abraço, como se fossemos velhos amigos. Éramos, sim, novos companheiros de luta. Falamos dos nossos planos de tratamento. Ainda nos rimos bastante, porque quando eu disse que ia rapar o cabelo em breve, tu disseste, em jeito de brincadeira, que desse trabalho já estavas safo, porque já eras quase careca.

Sei que a tua luta foi dura e que nunca te faltou o amor e apoio da tua mulher e família.
Sinto que uma parte de nós desmorona sempre que alguém morre de cancro no nosso circuito. Podíamos ser nós, aliás podemos ser nós a qualquer momento. Morrer todos sabemos que vamos um dia. A diferença é que, para nós, essa noção é mais crua e mais fria. Sente-se na pele.

Até um dia M. e olha pela tua família.

Um abraço,
Vera


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