domingo, 12 de março de 2017

Retalho e Retalho, Lda.

 
7 dias depois, cá estou eu, uma espécie de “Frankenstina” reconstruída, cheia de pontos, cicatrizes, gaze e adesivo por todo o lado. Só não tenho parafusos…do resto tenho tudo!
Olhando hoje em retrospetiva, estes dias demoraram a passar, caramba!
Em resumo de diário, rápido e com poucos pormenores sórdidos, porque não quero que ninguém desmaie (esta é para a Risy).

Terça-feira, 7 de março
No bloco operatório correu tudo bem. Simpatia e um acolhimento muito carinhoso dissiparam “alguma” ansiedade e receio que por ali pairavam. Musiquinha smooth no bloco, estilo Nip Tuck, pessoal simpático e a transmitir confiança que estava bem entregue. Fui para o bloco às 9 e qualquer coisa, regressei ao quarto 421 pouco depois das 14h, depois de algum tempo no recobro.  A anestesia deve ter sido forte…enjoos e mal-estar geral, sonolência e alguma falta de orientação, mas enfim, faz parte do jogo que eu quis jogar. O charmoso veio para Aveiro relativamente cedo, para a Rita não sentir tanto a ausência e ter companhia no dentista (não vale a pena duplo trauma num só dia).
Por volta do meio da tarde, ao ser observada pelo enfermeiro, apercebemo-nos do primeiro sangramento…um ponto rebentado na zona da axila, muito perto do dreno. Sangue por todo o lado, e eu a prometer à enfermeira uma caixa de ovos moles se tirasse o sangue da cinta e soutien cirúrgicos…100€ cheios de sangue logo na primeira noite….grrrrr…

No meio de alguma gargalhada com a minha aparente descontração, lá me fizeram novo penso, com mais pressão na zona a ver se o ponto se rendia…e sim, de facto este parou de sangrar. Pelas 6 da manhã, sentindo calor e algo estranho no pescoço, reparei no sangue noutra zona, já a escorrer no corpo. Imagem sexy, algo pérfida, mas lá nos rimos…desde que se salve a cinta e o soutien, estamos bem:)

De manhã, o cirurgião plástico esteve a ver o penso, abriu tudo para ver os pontos rebentados e voltamos a fechar. Parecia já estar controlado, pelo que era preciso levantar para evitar coágulos, ativar circulação, ver como me sentia…

Ponto alto do dia: Conversa com a médica anestesista no bloco acerca da medicação que fiz e faço e tretas afins do meu historial clínico. Consegui confundir a senhora, que me perguntou se eu era médica, enfermeira ou se trabalhava no ramo da saúde…qualquer pessoa sabe que o Herceptin reduz a FE, certo??

Ponto baixo do dia: Tirando os vómitos ao fim da tarde/ noite, foi mesmo fazer chichi na aparadeira (vulgo arrastadeira), especialmente depois de termos a zona abdominal toda retalhada e termos de a elevar para nos colocarem um objeto metálico e frio debaixo do corpo…credinho!!

Quarta-feira, 8 de março

Pois, este foi o meu pior dia, de todas as intervenções que já fiz. Apesar de já estar à espera de alguma falta de energia e tensões baixas, uma vez que tinha perdido muito sangue na cirurgia, não imaginava ser uma espécie de boneco de gelatina sempre que me tentavam pôr de pé, ou mesmo sentada. Foi um dia de muitos pontos baixos, muitas dores, desconforto e vontade de andar para trás no tempo. Desmaiei algumas vezes, maldisse os retalhos abdominais, pensei na minha querida prótese fechada no armário, que nunca me tinha dado este mal-estar…estás perdoada, volta!

Sou teimosa, por norma não me queixo de dores, mesmo que as tenha, mas basicamente pedi ao médico para ficar no hospital. E ele realmente assim o fez…com tensão arterial de galinha, sem sequer conseguir fazer chichi sozinha…não pode ir para casa nem suportar a viagem até Aveiro.

A comida do hospital era boa, mas quando chegava o tabuleiro, sempre à hora certa, até se me revoltava o fígado…coitado, com a abdominoplastia está para ali tudo tão encolhido e comprimido que comer era uma espécie de tortura camuflada. Claro que sem comer, o próprio corpo demora mais a recuperar…

Ponto alto do dia: A visita da minha filhota. Pontos rebentados quietinhos e sossegadinhos. Eu a dizer ao enfermeiro que deviam chamar a psiquiatria para quem se submete a abdominoplastias só pela “beleza” do six-pack…tem de ser um problema de foro psiquiátrico.

Ponto baixo do dia: A sensação de desmaio a qualquer coisa que se tente fazer. Um ataque de tosse a meio da noite e a sensação que o umbigo ia sair disparado a qualquer segundo…lágrimas sempre que tossia.


Quinta-feira, 9 de março

O médico neste dia passou apenas à tarde. Já me tinha conseguido levantar e ir ao wc, ainda que acompanhada. Drenos ok, mas tensões ainda baixas, cor amarela e ainda muita falta de energia, pelo que ele recomenda mais um dia internada para poder usufruir daquela bela cama articulada e da sport TV no quarto.

Ponto alto do dia: Ir ao wc sem ajuda e ter uma espécie de banho à gato.

Ponto baixo do dia: a sensação que algum animal tinha morrido debaixo dos lençóis sempre que me mexia…


Sexta-feira, 10 de março

A minha filha liga-me de manhã, antes de ir para a escola e eu quase salto da cama, arranco drenos e espanco o pai da criança…ela diz-me, vitoriosamente que vai de manga curta para a escola…ok, decido que está na altura de pôr de lado as abichanices e ir embora para casa. Faz muita falta uma inspectora nesta casa.

O médico passa e vê que estou com melhor aspecto e passa a alta para o fim da tarde, já com retirada de drenos… nesta fase, o meu irmão Nelson, sempre corajoso a ver os pensos, retira-se suavemente do quarto….ahahaha. É por isto que a humanidade depende das mulheres para continuar o seu ciclo de vida.

Saí do hospital apenas perto das 21h, com ânsia de chegar a casa, mas medo da viagem. Acho que senti todas as irregularidades da estrada, paralelos, altos e baixos e, muito carinhosamente, as tampas de esgoto da EN 109 até chegar a casa.

E desde então, tem sido sempre a melhorar. Tensões mais regularizadas, mais energia, ainda amarela, mas a recuperar no bom caminho. Amanhã nova viagem ao Porto para vermos como está.

Cómico deste fim de semana: as minhas vizinhas Lígia e Andreia a darem-me uma espécie de banho, no qual me vestiram  sacos de lixo para evitar molhar os pensos; a Lígia a lavar-me o cabelo na pia da cozinha, a Margarida que me vem deixar um mimo e o pendura na porta do vizinho…enfim…já me ri bastante, se bem que cada vez que me rio, tenho a sensação que me vou desmembrar em pedaços.

Ah beleza, a quanto obrigas!

Bjinho e obrigado pelas mensagens de apoio.

Presente da Rita :)


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