quarta-feira, 12 de março de 2025

Soneca, costura e steri-strips

 Há 8 dias atrás, estava eu na azáfama de pré-cirurgia. Documentos e exames médicos, organizar o dia em que ia estar fora, transportes e dormida da Rita em casa da amiga, porque a entrada no Hospital da Arrábida era cedo. Por mais experiência que se tenha, há ali sempre um nervoso miudinho que se instala no dia anterior e que se tenta camuflar com as verborreias do costume..."é só mais um corte"!

Pois então, mais uma ida ao bloco porquê?
Segundo o Nuno, eu gosto e tinha saudades do bloco. Sadomasoquismo, segundo ele. 

Só que não...não é gosto pelo bloco, mas também não se pode dizer que me cause estranheza nem qualquer sentimento de aversão. É o que é, é o que tem de ser.

Uma espécie de quisto que se formou na última cirurgia de reconstrução e que se manteve aqui, mais ou menos, sossegadito até novembro passado. Mas quando infeta e cresce e cria calor no peito, a sensação é algo estranha e de desassossegar até as almas mais sossegadas.  Especialmente as almas que tiveram cancro inflamatório da mama e cujos sintomas envolvem calor, inflamação e alguma dor. 

Uma ida ao oncologista sossegou os ânimos na altura, uma ecografia mostrou tecidos nada suspeitos...antibiótico, anti-inflamatórios e bota para casa. Só que voltou a manifestar-se pouco depois novamente e ultimamente lembrava-me da sua existência de forma pouco simpática. 

Gosto pouco que me incomodem e não o convidei a instalar-se. Portanto, mais um corte, mais uma cicatriz em cima da outra e mais uns dias a dormir sem posição e a ganhar calo num certo sítio. Lembrava-me um destes dias que dormi mais de 3 meses de barriga para cima, semi-sentada, quando fiz a  primeira grande cirurgia. Portanto, há que aguentar agora uns dias.

O dito cujo foi para análise, como todos os tecidos que são retirados e em breve vou saber que o "nódulo de citoesteatonecrose" não passava disso mesmo...uma cena com nome feio no meu peito. 

E, com isto, voltei a descobrir que com cicatrizes frescas se devem evitar a tosse, os movimentos bruscos ou a vontade de ser independente e de fazer tudo sozinha. Pior do que tudo, é mesmo tentar controlar os meus "espirros silenciosos" e toda a turbulência que causam nos meus steri-strips!
O Olaf entende-me bem!


Para quem está na luta, coragem e boa disposição.
O cancro não gosta de hormonas felizes. 

Beijinho

vera

 Ps. Para o meu sobrinho M., 2 entradas no blog e ainda só estamos em março! Este ano promete!!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Dia da Luta, os 44 e o fim do rosinha!

Já passou mais de 1 ano desde a última entrada no blog. Ainda um destes dias dizia à Rita que o facto de escrever durante o cancro tinha ajudado a manter a sanidade mental durante o annus horribilis. Na verdade, tem ajudado ao longo dos anos e, de vez em quando, volto cá para reler certas entradas e pensar... "f******, se aguentaste isto, não há-de ser este ou aquilo que te deita abaixo!"

Hoje, no Dia Mundial da Luta contra o Cancro fui à consulta semestral de oncologia, ver o meu querido Dr. Leal. Há 11 anos a ser recebida pelo carinho constante e cuidado deste médico que se tornou, para muita gente conhecida, um amigo. Encontrei hoje 2 pessoas conhecidas lá...é um lugar comum, cada vez mais um lugar comum e estranhamente, continua a ser casa.

Marcamos hoje o fim de uma relação de alguns anos...eu e o tamoxifeno estávamos juntos desde 2019 e cortamos hoje laços.  Fiz hormonoterapia desde 2014 e tenho sentido no corpo os seus efeitos.

Vendo frescura, é claro, mas daquela frescura que faz estalar os ossos e articulações...que causou osteopenia e mais uma série de efeitos secundários "fófinhos".  Segundo os especialistas cá de casa, o mais sentido foram as alterações de humor...calúnias, na prática.


Deixar a medicação é uma sensação mista...uma espécie de agridoce achinesado.
Sabemos que o comprimido rosa contribuiu para reduzir taxas de recidiva, aumentou a sobrevida de mulheres sobreviventes de cancro de mama e contribuiu para que a esperança ganhasse lugar em muitas casas. É uma esperança rosa, pequenina.

Por um lado, quero parar de tomar medicação, mas por outro lado, há ali uma sensação de proteção que parece que se desvanece.Uns dias de habituação e a vida segue o seu rumo. Dizem  que as hormonas positivas também protegem. 

Pois bem, com 44 anos feitos, eis que posso colocar uma data de fim no tratamento previsto em janeiro de 2014, há muitos anos atrás e que me pareceram um futuro muito distante e, às vezes, impossível.

É possível percorrer a jornada. Uns dias melhores, outros piores, porque nem tudo é rosinha, como o tamoxifeno. Importa continuar.

A quem começa, eis o meu percurso. Registem tudo. Somos o nosso melhor médico e temos de saber tudo o que diz respeito à nossa saúde.

1- Quimioterapia neoadjuvante - início a 8-01-2014, com 4 ciclos de AC + 12 de Herceptin e Paclitaxel
2- Cirurgia -  Mastectomia radical modificada a 17-06-2014
3- Radioterapia - Início a 14-07-2014, 26 sessões, sendo 10 com bólus
4- Herceptin - de 3 em 3 semanas, de  05-04-2014 a 31-03-2015
5 - Tamoxifeno - interrompido numa primeira relação, de 01-07-2014 a 7-10-2014
6- Zoladex - 1 mensal, durante 5 anos, de 8-08-2014 a 24-08-2019
7. Aromasin - diário, de 8-10-2014 a 30-09-2019
8. Tamoxifeno - retoma da relação a 01-10-2019 e fim a 04-02-2025


Abraço,

Vera


terça-feira, 28 de novembro de 2023

43

Na semana passada celebrei 43 anos de vida, desta feita com outras situações de vida familiar a mostrar-nos que o nosso maior bem é mesmo a saúde. Ainda há pessoas que não o entendem, mas lá chegarão. Com os seus altos e baixos, a vida tem me mostrado que i) somos pouco "donos disto tudo" , ii) nada acontece por acaso e iii) o que hoje é certo, amanhã pode não ser. Coisas práticas, na verdade.

Desde há 10 anos, desde o diagnóstico e desde esse annus horribilis, que tenho tentado ser mais prática e mais desligada de certas coisas. Se resulta sempre, a 100%, não, não resulta. Se ajuda em muitas situações do dia-a-dia, lá isso ajuda. O sentido prático também tem impacto no dia-a-dia e no círculo de amigos que temos. Algumas pessoas entram, outras saem da nossa vida. A umas até deixamos entrar no círculo, a outras barramos o acesso. Podemos até ser rotulados de antipáticos ou snobs. No fundo, acho que é só proteção da sanidade mental.

Não sei se já é da idade, mas confesso que perdi um bocado a paciência para certas pessoas, especialmente as que querem ser importantes à custa de tudo e de todos ou as que deliberadamente prejudicam outras, adultas ou crianças, só para seu belo prazer. Anda para aí uma falta de valores morais que até custa ver! Não lhes desejo mal, só distância, quando possível (ou como diria uma amiga nossa, um pessegueiro a nascer num certo sítio do corpo)!

O dia teve os seus momentos bonitos, como todos. Acordar cedo, levar a Rita à escola, cortar o cabelo com a minha Joaninha e um almoço a 3 com charmoso e filhota. 

No final do dia, os parabéns com família e um ramo de flores lindíssimo de uma guerreira com caracóis espampanantes!  Obrigada M. pelo carinho. Sabes que não é preciso nada e estarei sempre aqui. Estás no círculo.

 
Um muito obrigada a quem ligou, a quem mandou sms, a quem enviou mensagem pelas redes sociais.

Por muitos mais anos convosco, com saúde para todos.

Beijinho

Ps. Em relação ao cancro, aquele que motivou a criação deste blog, estou a entrar no 10º ano pós-diagnóstico, ainda em hormonoterapia, com ossos a dar sinais que já estão fartos do comprimido rosa, mas até aos 99 vão ter de suportar este corpito :)

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Tempo que passa

A última entrada no blog é de fevereiro 2022 e muitas foram as vezes em que me lembrei de escrever no blog e vai passando. Não é que não faça falta, porque faz. É porque o tempo passa, a construção da casa exigiu mais de nós do que esperaríamos, a Rita e sua agenda são prioritárias...a vida, na prática e simplicidade do dia a dia, é prioritária.

Tenho sempre tentado ajudar, como posso, por outras vias. Basta ouvir, basta trocar umas mensagens e mostrar a quem está na luta que estamos cá uns para os outros. Que é preciso arrebitar e olhar em frente, Que o cancro não gosta de pessoas felizes. Que o cancro não gosta de abraços, como um dia escrevi a uma menina que me queria dar um abraço quando soube do meu diagnóstico.

 Hoje, pelos EUA, a Terry relembra a história da Lori e de como tudo começou nesta luta que é a de divulgar o cancro inflamatório da mama.

Importa saber, conhecer e identificar atempadamente, seja neste ou noutro tipo de cancro.

Because of her...
https://theibcnetwork.org/because-of-her/

 


 

P.S. Continuo com o tamoxifeno...a entrar no 10º ano de tratamento. Eu e o comprimido rosa temo-nos dado bem, apesar dos efeitos nos ossos e afins.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Ensinamentos

Deixei passar a meia noite e estava a pensar no dia mundial do cancro. É um dia em que me faz pensar na sorte que tenho por estar viva, por ter respondido ao tratamento, por ter conseguido encarar a mastectomia como um passo para estar viva, por ter tido sempre amigos e família por perto, por estar a ver a Rita a crescer (socorro nesta parte).

Sei que no meio de tudo o que aconteceu, no meio da gravidade da situação e da incerteza que ia crescendo, o cancro também me ensinou algumas coisas. 

Ensinou-me a desprender, ensinou-me a distinguir e a selecionar as lutas que quero travar. Ensinou-me a ser resiliente, mas também a refilar mais e a expressar a minha opinião. 

 Ainda hoje comentava com duas colegas que refilo e bufo de vez em quando. Deixei de conseguir engolir sapos ou comer catos. E quando não quero sequer refilar, afasto-me...que melhor do que termos a firmeza de saber ignorar e avançar quando sabemos o que é importante e temos as nossas fronteiras bem definidas.

O cancro tirou-me muito aos 33 anos, mas também ensinou. E não só a mim, a todos à minha volta que foram afetados também.

Cuidem da vossa saúde, alimentem-se bem e façam sempre exames de vigilância. Este foi um legado do cancro...chatear a malta! 

Beijinho & Keep it Simple!

Vera

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Tensão q.b.

Uma ida ao cirurgião plástico é um momento de tensão.

Tensão q.b., entenda-se,  porque as preocupações não são estéticas no meu caso. Há uns quilos a mais, estupidamente concentrados em alguns sítios, mas convivo bem com eles. Esta tensão vai depois desvanecendo ao longo do dia e chega-se ao fim do dia com a sensação de ter ido ao Porto a pé.

Passados 3 anos voltei ao sítio onde senti mais dores na vida...e voltei com um sorriso nas trombas. É preciso ser parva e esquecer que houve momentos em que me apetecia bater em alguém!

Com o covid, fui adiando a consulta de seguimento, mas devemos começar o ano a limpar assuntos pendentes e esse era um deles.

Uns quistos derivados do "lipofilling" precisavam do olhar clínico. Assim que o tiveram, ficaram felizes por saber que não os vamos incomodar nem com aspirações nem com cirurgias. É mesmo para deixar o organismo tratar disso, com o tempo que precisam, com a calma que exigem e com a descontração de quem já olha para os quistos com ar de "Achas que me incomodas depois de tudo o que já vivemos?"

Keep it simple!

Beijinho.





quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Obrigada!

Tenho muito pelo que agradecer. 

Tenho muito a quem agradecer. 

Obrigada pelas dezenas de mensagens e manifestações de carinho por mais um aniversário! 

Agradeço de coração. Fazer anos não é mais do que completar  um ciclo, continuar a vencer as contrariedades, admitir as derrotas, saborear as vitórias e seguir em frente. A perspetiva é simples, como tudo devia ser. Simples como os cabelos brancos que vão surgindo!

O ano passou a correr. Uma entrada apenas no blog, num ano em que o COVID nos continuou a condicionar os movimentos e a escrita, pelos vistos. Tem sido um ano rico em leituras, em obras e na horta.

Escrever menos no blog significa igualmente um maior distanciamento do cancro, aquela coragem ousada de quem diz "já passou" ou "está quase", ainda que persista alguma dor e ainda me arrepie de cima a baixo sempre que o cheiro dos restaurantes H3 me chega ao nariz (nunca comam hambúrguer depois de quimioterapia).  Exames semestrais têm mantido o foco no futuro, o foco na esperança e na vontade de fazer os 80 anos, pelo menos. 

Ainda hoje comentava no café, com duas moças simpáticas, que as perspetivas de vida mudam após certas coisas na nossa vida. Não é só conversa. São as prioridades que se redefinem quando a linha fica torta debaixo dos pés.

Gostava que algumas pessoas conseguissem mudar perspetiva sem ter de sentir o tapete a fugir debaixo dos pés...talvez assim conseguíssemos ser mais amigos, mais tolerantes, mais solidários...na prática, mais pessoas!

Um abraço, cuidem-se e sempre alerta a sintomas. Prevenir não custa e remediar sai-nos sempre mais caro em todos os sentidos.

vera