sábado, 15 de março de 2014

Estados de alma


São 8h da manhã, sábado dia 15. Devia estar a dormir como qualquer pessoa normal, ou como qualquer pessoa anormal que levou doses de quimioterapia na quinta e sexta-feiras. Devo estar na fronteira entre o normal e o anormal.

A Rita veio infiltrar-se na cama dos pais às 7h, com aquele jeitinho pouco bruto (‘Mamã, deixa passar!’) e que convence qualquer um a ceder-lhe o lugar. Mas não posso culpar a criança, eu já estava acordada. Supostamente, disse o meu oncologista, ia dormir a tarde toda ontem e hoje ia dormir imenso, nem ia dar pela noite a passar. Errado. Não consegui dormir ontem de tarde, nem dormi que nem um calhau de noite.

Aparentemente, apanhei uma dose de anti-histamínicos bastante forte, de modo a evitar fazer alergia ao Docetaxel e ao Herceptin, as minhas novas drogas. Estava bastante apreensiva. Caso fizesse alergia, não poderia seguir este plano terapêutico que melhor se adequa e melhores resultados apresenta para o meu cancro.

Na quinta-feira a enfermeira Maria José estranhou-me assim que entrei na “box”. “Você hoje está muito agitada”, dispara ela assim que me viu. Já lidou com uma imensidão de doentes de cancro, aprendeu a ler-lhes os olhos e a postura física, bem como o estado mental.

Claro que ela tinha razão. Estava ansiosa, com a perspetiva de mais 12 sessões a agitar-me a alma. É complicado não se ver um fim, saber que ainda faltam 12 semanas para, espero eu, se poder começar a pensar na cirurgia. E digo espero, porque se não estiver ainda operável, terá de se pensar noutra estratégia.

Decidi que não posso pensar na cirurgia durante esta fase. Claro que o que eu decido, nem sempre acontece, daí também parte da minha agitação. Sei o que vai acontecer, independentemente da redução do tumor que se consiga e nessa altura, além das dores físicas, sei que outras surgirão.

Todos me aconselham a ter calma, a levar um dia de cada vez. Mas um dia de uma pessoa com cancro é diferente dos outros. Não me arrelia deixar a louça por lavar, ter a sala desarrumada ou ter um prazo para cumprir. Arrelia-me, sim, não conseguir levar este barco da melhor maneira possível, não saber lutar contra uma coisa que nos vai assombrar para o resto da vida.

Passada a primeira parte desta nova quimio, o meu querido oncologista pediu-me para fazer uma ecografia ao peito. Como sempre, tratou de tudo e 1 hora depois da quimio, já estava a entrar na radiologia. Ele próprio quis falar com o radiologista e ver as imagens. E quando ele me diz ”Vera, estou bastante contente com a redução. Nunca pensei que já estivesse assim, mas ainda temos muito a fazer.” Fiquei aliviada, surpreendida e acima de tudo, mais calma.

Ontem, já antes de entrar para a segunda parte da quimio, levantei as análises ao sangue, que revelaram que o marcador tumoral também baixou quase para metade. É um alívio grande, apesar de reconhecer que ainda tem de baixar muito mais! Mas está a descer e é a isso que tenho de me agarrar.

Fiz a segunda parte da quimio com menos agitação, com o oncologista a espreitar a minha “box” muito frequentemente, com medo da reação alérgica. Até ele estava agitado, preocupado. Costumo dizer que ele foi um anjo que me apareceu e realmente deve ser. Uma preocupação com os pacientes que vai além do valor monetário e que nos faz sentir “cuidadas” e não só mais um doente canceroso a tratar.

Também me sossegou o facto de o meu seguro ter aprovado parcialmente este novo tratamento. Parece que há seguros que não aceitam de bom grado mudanças a meio do plano e que não gostam de aprovar medicamentos tão caros como o Herceptin. Claro que provavelmente vou estoirar o plafond antes de chegar à cirurgia, mas tenho de me preocupar com uma coisa de cada vez e, neste momento, tenho de me concentrar em reduzir o bicho, alimentar-me adequadamente e descansar para o corpo poder recuperar. O sistema imunitário começou a dar sinais de fraqueza na 4ª sessão da outra quimioterapia e por isso tenho de me “pôr fina”. Preciso que o corpo aguente todas as sessões semanais, para não haver interrupções e assim será.

Ao Miguel Morais e Ana Maria da Universidade de Aveiro, força companheiros de luta. 
Em breve, a Dª Manuela (bar da reitoria) servir-nos-á um belo cházinho para comemorarmos a saída desta fase menos boa!

Obrigado a todos os que me acompanham nesta luta, de uma maneira ou outra contribuem para a minha esfera protetora.

Bem haja a todos. Muita saúde. 

1 comentário:

  1. Vera q consigas viver um dia de cada vez com muita calma e muito amor , isso sei q tens de quem te rodeia ... daqui um xi <3 apertadinho desejando
    q tudo o q esperas se concretize :-)

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