sexta-feira, 31 de março de 2017

Santa ignorância

A minha vontade de conhecer os processos, métodos, medicamentos e efeitos secundários, estilos de vida, alimentação, etc., dá-me a sensação, talvez apenas isso mesmo, de controlar um pouco esta minha vida pós-cancro. Não me deixo guiar pelo cancro, nem deixo que me atormente diariamente. Penso nele qb e dou-lhe a importância que julgo ser a adequada, tendo em conta o sub-tipo de cancro de mama que tive. Stresso quando tenho de stressar e relaxo nas outras alturas.

Neste processo de reconstrução da mama, confesso que a ignorância de muitos dos seus "quês" me fez avançar para o processo de uma forma "light". Não procurei muito ouvir experiências de outras pessoas, nem se encontram facilmente registos dessas experiências. Vergonha, medo de assumir que estamos a fazer uma mama, dor, cicatrizes feias, processos longos e penosos...não sei exatamente qual dos fatores, ou se todos em conjunto contribuem para esta falta de informação. Nunca me coibi de falar do cancro, da mama, dos tratamentos, etc., por isso falar da reconstrução também é normal.

Pelo tipo de intervenção (TRAM), tinha consciência que não seria muito fácil, mas era uma coisa que eu queria fazer e a vontade sobrepôs-se ao medo de arriscar.  Eufemismos à parte, agora sei que dói e bastante, mas é um processo evolutivo. Estar consciente que a dor nos acompanha nestes primeiros dias é a primeira coisa a fazer para evitar pensamentos negativos ou angústias desnecessárias. Entender as variações do corpo ao longo do processo de cicatrização também.

Com o passar dos dias, o simples ato de tossir começou a parecer mais pacífico, ao invés do início em que não sabemos se nos vamos desmembrar a cada impulso para tossir ou espirrar.  Foi das piores sensações que tive e as que mais dores provocam na fase inicial. No entanto, sendo a tosse um mecanismo de defesa, não a podemos simplesmente suprimir. Algumas lágrimas e algumas dores e a tosse passa.

A variação da cor dos tecidos mexidos também pode assustar. Qualquer pisadura que tenhamos sofre variações de cor, portanto deve dar para imaginar com tanto corte e costura como fica o nosso corpo. Hoje, 24 dias depois da cirurgia, já começo a parecer ter cor de gente nos locais retalhados, mas ainda há muita inflamação nos tecidos e algumas zonas já com fibroses, infelizmente. Com as massagens que faço atualmente e a fisioterapia que começarei em breve, espero conseguir destruir estas fibroses tão indesejáveis nas cirurgias plásticas.

O cansaço começa a desvanecer, mas ainda estou com uma espécie de horário de criança. Depois de jantar, lavar dentes e cama. Não há energia para mais, porque o corpo demora o seu tempo a recuperar da perda de sangue e de mais uma invasão cirúrgica.

Consigo atualmente sentar-me já um bom bocado ao computador, mas ainda não é recomendado estar muito tempo sentada na mesma posição, porque com o enfraquecimento da parede abdominal, facilmente posso ficar com marcas ou tecidos cicatrizados com "formas" estranhas.   

Desde ontem, consigo endireitar as costas. Ontem foi dia de me "quebrarem" os pontos internos do abdómen, portanto já estou mais liberta. Quebrar ou partir os pontos é qualquer coisa que não recomendo nem a um inimigo...só não gani porque parecia mal...fiquei-me pelos berros e ameaças à técnica. 

No fundo, sabia que isto ia custar, mas estava a leste de muitos destes pormenores. Santa ignorância, porque partir para isto com conhecimento de causa poderia ser motivo para internamento psiquiátrico.


Beijinho,
Vera



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